quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Bach - BWV 41: Cantata para o Ano Novo!

A Cantata BWV 41 foi composta para comemorar a chegada do ano de 1725, quando Bach estava em Leipzig. A letra da cantata se baseia em um hino luterano do fim do século XVI. O coral inicial da cantata, cujo vídeo encontra-se abaixo, traz a letra da primeira estrofe do hino. Composta por 14 versos, a referida estrofe é longa, o que fez Bach dividir o coral de abertura em quatro seções (indicadas abaixo): allegro moderato abrindo o movimento, depois um adagio, um presto, onde os tenores iniciam uma fuga, e o allegro moderato inicial retorna para fechar o coral.
Os trompetes, que, segundo os afetos barrocos, indicam realezas e divindades, anunciam a chegada do Ano Novo e louvam a Deus, conforme indicado logo no primeiro verso. No mesmo sentido, também pode ser percebida a presença dos tímpanos. O coral todo é marcado pelo júbilo, pelo louvor. 
O coral se inicia de um modo bastante polifônico, com as sopranos fazendo as notas longas, uma para cada estrofe, enquanto as outras vozes preenchem o som com notas curtas, e muitas notas para cada sílaba. Portanto, não é tão fácil de seguir a letra. Para facilitar, marcamos o tempo antes de cada verso ou grupo de versos. Além disso, as mudanças de seção, notórias durante a audição, estão todas indicadas.

A seguir, a ária para soprano, que na gravação abaixo é cantada por um menino, pede a Deus que esse entusiasmo do início do ano não seja algo efêmero, mas que o ano termine como começou, cumulado de bênçãos.

E que o Ano Novo comece e termine no espírito da autêntica alegria, no ritmo das gravações abaixo:

Coral

Allegro moderato
0:34
Jesu, nun sei gepreiset
0:57
Zu diesem neuen Jahr
1:33
Für dein Güt, uns beweiset

1:51
In aller Not und G'fahr,

2:29
Dass wir haben erlebet

2:51
Die neu fröhliche Zeit,

3:27
Die voller Gnaden schwebet
Und ewger Seligkeit;


Adagio(4:25)
Dass wir in guter Stille
Das alt Jahr habn erfüllet.

Presto(5:02)
Wir wolln uns dir ergeben
Itzund und immerdar,
Allegro moderato (6:30)
Behüte Leib, Seel und Leben
Hinfort durchs ganze Jahr!

Allegro moderato 

Jesus, sê louvado agora

Neste novo ano

Por Tua bondade, a nós revelada


Em toda a aflição e perigo,


Por termos vivido


Para ver o novo período de alegria,


Que paira sobre nós 

repleto de graças
 

Adagio
E eterna bem-aventurança,
Por termos completado o ano velho.

Presto
Entregar-nos-emos a Ti
Agora e sempre.

Allegro moderato
Protege corpo, alma e vida
A partir de agora e por todo o ano!


Laß uns, o höchster Gott, das Jahr vollbringen,
Damit das Ende so wie dessen Anfang sei.
Es stehe deine Hand uns bei,
Dass künftig bei des Jahres Schluss
Wir bei des Segens Überfluss
Wie itzt ein Halleluja singen.
Ó Deus altíssimo, permite que completemos o ano
De modo que ele termine como está começando.
Que Tua mão nos auxilie
Para que, no fim do ano,
Cumulados de bênçãos,
Cantemos aleluia como agora.

Partitura em Bach-Cantatas

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Bach - BWV 248: Oratório de Natal


Charles Poerson - La Nativité (França, Séc XVII)


O Oratório de Natal, BWV 248, é mais uma peça do período de Bach em Leipzig. Foi completado e encenado no Natal de 1734. O Oratório é composto de seis cantatas, sendo as três primeiras para os três primeiros dias do Natal (25, 26 e 27) e a três últimas para o dia de Ano Novo, o primeiro domingo do ano e o dia da Epifania, respectivamente. Portanto, não era a idéia de Bach que o Oratório fosse executado todo de uma vez. Fiquemos aqui, por enquanto, apenas com a primeira cantata.
Logo no início da primeira cantata, o coro já nos convida a comemorar com alegria a chegada do Messias. Na belíssima e intensa ária "Bereite dich, Zion", a contralto nos chama para, com ardor, nos prepararmos para o noivo amar. Mas logo em seguida surge a nossa fraqueza através do coro, com uma melodia profunda e reflexiva: "como hei de te acolher?"
Em "Großer Herr, o starker König", o trompete, solene, anuncia a chegada de um Rei, mas com ele dialoga o baixo que proclama um Rei bastante diferente do que se está acostumado: que despreza as riquezas e dorme em dura manjedoura. Ainda marcado pelas interjeições solenes do trompete, vem, em "Ach mein herzliebes Jesulein", uma doce prece do coro: "Ó adorado menino Jesus, Fazei-vos uma caminha limpa, confortável e macia No templo do meu coração". Assim termina a primeira cantata do Oratório de Natal de Bach.




No ano passado, antes de serrarem cruelmente a Osesp, tive a oportunidade de assistir ao Oratório de Natal de Bach sob a regência do grande cantor alemão Peter Schreier. Na ocasião, pessoas do fantástico Coro da Osesp (que brilhou lindamente) comentaram que o maestro cantava junto e que era emocionante ver a expressão de seu rosto. No vídeo abaixo que, embora não com a Osesp, mas com o Bach Collegium Munchen, também tem ele na regência, podemos ver a emoção estampada no rosto de Schreier, bem como ouví-lo fazendo o evangelista.

1 e 2: Coral e Recitativo (Evangelista)

Jauchzet, frohlocket! auf, preiset die Tage,
Rühmet, was heute der Höchste getan!
Lasset das Zagen, verbannet die Klage,
Stimmet voll Jauchzen und Fröhlichkeit an!
Dienet dem Höchsten mit herrlichen Chören,
Laßt uns den Namen des Herrschers verehren!
Alegrai-vos, regozijai, ide, louvai estes dias!
Bendizei o que o Altíssimo realizou hoje!
Deixai as queixas, apartai o pranto,
Prorrompei cheios de júbilo e alegria!
Ofertai ao Altíssimo canções de louvor,
Honremos pois o nome do Senhor!
"Es begab sich aber zu der Zeit, dass ein Gebot von dem Kaiser Augusto ausging, dass alle Welt geschätzet würde. Und jedermann ging, dass er sich schätzen ließe, ein jeglicher in seine Stadt. Da machte sich auch auf Joseph aus Galiläa, aus der Stadt Nazareth, in das jüdische Land zur Stadt David, die da heißet Bethlehem; darum, dass er von dem Hause und Geschlechte David war: auf dass er sich schätzen ließe mit Maria, seinem vertrauten Weibe, die war schwanger. Und als sie daselbst waren, kam die Zeit, dass sie gebären sollte. "

"E aconteceu naqueles dias que saiu um decreto da parte de César Augusto, para que todo o mundo se alistasse. E todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade.E subiu também José da Galiléia, da cidade de Nazaré, à Judéia, à cidade de Davi, chamada Belém (porque era da casa e família de Davi), a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. E aconteceu que, estando eles ali, se cumpriram os dias em que ela havia de dar à luz." (Lucas, 2:1-3)
3, 4 e 5 - Recitativo e Ária (contralto) e Coral


Nun wird mein liebster Bräutigam,
Nun wird der Held aus Davids Stamm
Zum Trost, zum Heil der Erden
Einmal geboren werden.
Nun wird der Stern aus Jakob scheinen,
Sein Strahl bricht schon hervor.
Auf, Zion, und verlasse nun das Weinen,
Dein Wohl steigt hoch empor!

Eis nascerá o meu noivo amado,
Eis virá à luz o príncipe da linhagem de David,
Para consolo e redenção dos homens.
Eis brilhará a estrela de Jacó,
Cujos raios já se vêem fulgir.
Deixa, pois, o pranto, ó Sião;
Promissora brilha a tua Sorte!

Bereite dich, Zion, mit zärtlichen Trieben,
Den Schönsten, den Liebsten bald bei dir zu sehn!
Deine Wangen
Müssen heut viel schöner prangen,
Eile, den Bräutigam sehnlichst zu lieben!

Prepara-te, Sião, com ternos cuidados
Para acolheres o Belíssimo, o Amantíssimo junto a ti!
Forçoso é que o teu rosto
Resplandeça mais alegre hoje.
Prepara-te para com ardor o noivo amar!
Wie soll ich dich empfangen
Und wie begegn' ich dir?
O aller Welt Verlangen,
O meiner Seelen Zier!
O Jesu, Jesu, setze
Mir selbst die Fackel bei,
Damit, was dich ergötze,
kund und wissend sei!

Como hei-de te acolher,
E como hei-de vir à tua presença?
Ó clamor de todo o mundo,
Ó inquietação da minh'alma,
Jesus, alumia-me com a tua tocha,
Para que eu claramente reconheça os teus desígnios.
8 e 9 .Ária (baixo) e Coral

Großer Herr, o starker König,
Liebster Heiland, o wie wenig
Achtest du der Erden Pracht!
Der die ganze Welt erhält,
Ihre Pracht und Zier erschaffen,
Muss in harten Krippen schlafen.

Grande Senhor, Rei omnipotente,
Salvador amado, ó como tu
Tens em baixa conta a riqueza terrena!
Aquele que recebeu ao mundo inteiro
E todos os seus esplendores criou
Em dura manjedoura dormir deve.

Ach mein herzliebes Jesulein,
Mach dir ein rein sanft Bettelein,
Zu ruhn in meines Herzens Schrein,
Dass ich nimmer vergesse dein!

Ó adorado menino Jesus,
Fazei-vos uma caminha limpa, confortável e macia
No templo do meu coração, e aqui repousai,
Para que eu nunca mais hesite em pertencer-vos.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Bach - BWV 243: Magnificat!


(Botticelli - Magnificat)

O Magnificat, BWV 243, foi escrito para dois sopranos, contralto, tenor, baixo, coro a 5 vozes e orquestra. A versão original foi composta  em 1723, no primeiro Natal de Bach em Lipzig, com vários textos natalinos e na tonalidade de Mi sustenido maior. Nos anos seguintes, Bach suprimiu os textos natalinos, deixando apenas o do Magnificat, e transpôs para Ré maior -- tonalidade em que os trompetes obtém uma melhor sonoridade. Assim estreou, em 1733, a peça que é a segunda maior obra de Bach em latim -- perdendo apenas para a Missa em Si Menor.

O Magnificat é um canto de louvor, de exaltação da misericórdia divina. Maria, ao mesmo tempo que reconhece sua grandeza, ou, melhor dizendo, se vê engrandecida pelo Senhor, coloca-se numa posição de humildade, de serva.  Isso Bach traduz em música e, para tanto, se utiliza do contraste, uma característica do barroco. Desse modo, movimentos alegres e introspectivos se alternam e nos colocam diante da beleza, da grandeza, da humildade, da bondade... A peça começa com um canto melismático do coral, ressaltando a palavra magnificat, que significa engrandece. Mais adiante, é de chamar a atenção, no duo Et misericordia, como Bach transmite a doçura, a beleza comovente, da Misericórdia Divina.
Poderíamos esperar que, por ser o canto de Maria, o Magnificat tivesse sido composto apenas para soprano, ou contralto, enfim, para uma voz feminina, e não para cinco vozes mais coro. Estaríamos nos esquecendo, porém, de algo do qual Bach não se esqueceu: o Magnificat canta a exaltação não somente de Maria, mas de todos os humildes, canta o cumprimento da Aliança, a Misericórdia que perdura por todas as gerações. É, pois, o canto de todos.




Às margens do Danúbio, na cidade de Melk, na Áustria, está o belo e grandioso mosteiro, originalmente construído, no século X, para ser um castelo. De importância religiosa, histórica e cultural, a abadia inspirou Humberto Eco na criação de seu grande romance O Nome da Rosa. No ano 2000, que marcou os 250 anos da morte de Bach, o maestro Nicolaus Harnoncourt, especialista em música antiga, o Coro Arnold Schönberg, Christine Schäfer e Anna Korondi (sopranos), Bernarda Fink (alto), Ian Bostridge (tenor) e Christopher Maltman (barítono) subiram as escadarias da histórica abadia para realizar um concerto com as cantatas BWV 61 (cujo vídeo foi aqui postado no primeiro domingo do advento), 147 e 243, o Magnivicat.
Nos vídeos abaixo, com olhos e ouvidos envoltos por profunda beleza, somos convidados a entrar na abadia, tomar nossos lugares e cantar este hino de louvor junto com Bach e Maria.  


Evangelho segundo São Lucas, 1,39-55
Naqueles dias, Maria partiu apressadamente para a região montanhosa, dirigindo-se a uma cidade de Judá. Ela entrou na casa de Zacarias e saudou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou de alegria em seu ventre, e Isabel ficou repleta do Espírito Santo. Com voz forte, ela exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Como mereço que a mãe do meu Senhor venha me visitar? Logo que a tua saudação ressoou nos meus ouvidos, o menino pulou de alegria no meu ventre. Feliz aquela que acreditou, pois o que lhe foi dito da parte do Senhor será cumprido!”.

Maria então disse:


Magnificat anima mea Dominum.
A minha alma engrandece o Senhor 



Et exsultavit spiritus meus in Deo 
salutari meo
E meu espírito se alegra em Deus, 
meu Salvador




Quia respexit humilitatem ancillae suae;
ecce enim ex hoc beatam me dicent

Omnes generationes.

Porque ele olhou para a humildade de sua serva. 
De agora em diante, me chamarão feliz

Todas as gerações.


Quia fecit mihi magna qui potens est, 
et sanctum nomen eius.
porque o Poderoso fez para mim coisas grandiosas,
e seu nome é santo,


Et misericordia a progenie in progenies timentibus eum.
E sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem. 


Fecit potentiam in brachio suo, 
dispersit superbos mente cordis sui.
Ele mostrou a força de seu braço,
dispersou os que tem planos orgulhosos no coração. 


Deposuit potentes de sede et exaltavit humiles.
Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes.


Esurientes implevit bonis 
et divites dimisit inanes.
Encheu de bens os famintos, 
e mandou embora os ricos de mãos vazias.


Suscepit Israel puerum suum recordatus misericordiae suae.
Acolheu Israel, seu servo, 
lembrando-se de sua misericórdia,


Sicut locutus est ad Patres nostros,
Abraham et semini eius in saecula.
Conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre”.


Gloria Patri, 
gloria Filio,
gloria et Spiritui Sancto!
 Sicut erat in principio et nunc et semper
et in saecula saeculorum.

Amen.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Bach - BWV 232 no. 23 - Benedictus

Bendito o que vem em nome do Senhor!
                                          (Salmo 117,26)

Este Benedictus, qui venit in nomine domini é parte de uma das maiores obras-primas da humanidade: a Missa em Si Menor de Bach, BWV 232. Foi esta missa o último grande feito da vida de Bach. Na verdade, ela não foi composta inteira no fim da vida, mas sim compilada. Foi como que um grande testamento, um resumo de sua vida ou, usando uma linguagem mais de advento, a mais intensa preparação para o grande encontro com aquele que vem em nome do Senhor. O Benedictus em particular data da década de 1730: 20 anos antes da data em que a Missa foi finalizada.

A primeira gravação abaixo pertence ao CD que Kathleen Battle e Itzhak Perlman gravaram com Árias para Soprano e Violino de Bach. Apesar de gostar muito de Itzhak Perlman ou, mais que isso, de achar que ele, atualmente, é o maior -- se é que é possível ou sensato fazer tal afirmação -- não acho que em Bach ele seja tão feliz quanto no repertório romântico, o seu estilo é romântico. Porém, não precisamos ser tão puritanos na arte. O Benedictus foi composto, na verdade, para tenor e flaura. A presente gravação, com soprano e violino, nos oferece a oportunidade de ouvir uma outra leitura da ária. É impressionante como as duas vozes ou os dois instrumentos dialogam de forma perfeita, como se entendem!



No vídeo abaixo, sob a regência de John Nelson -- que está na lista dos maestros convidados da temporada 2010 da Osesp --, com o tenor Daniel Taylor e o Ensemble Orchestral de Paris, está a versão original.






Para uma reflexão sobre o versículo 26 do Salmo 117 recomendo o texto do Frei Giribone:
http://www.obompastor.org.br/node/52

Sobre a Missa em Si menor de Bach, há um bom texto na Wikipedia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Missa_em_Si_menor

sábado, 5 de dezembro de 2009

Bach - Cantata BWV 132: Preparai os caminhos do Senhor!

Uma voz grita: «Abri no deserto um caminho para Javé; na região da terra seca, aplanai uma estrada para o nosso Deus.
Is 40,3
Não encontrei nenhuma cantata de Bach para o segundo domingo do Advento. Isso se deve, provavelmente, ao fato de que, na época de Bach, o Advento era um período de extremo recolhimento e penitência e, na maioria das igrejas luteranas, só era permitido que se tocasse música no primeiro domingo. Em Weimar, porém, era permitido que se fizesse cantata no quarto domingo. Graças a isso temos a cantata BWV 132 Bereitet die Wege, bereitet die Bahn (Preparai os caminhos, preparai a estrada), única cantata para o quarto domingo do Advento, composta em 1715, quando Bach estava em Weimar.
A ária de abertura vem de encontro ao Evangelho do segundo domingo do Advento da liturgia católica -- cujo tema ainda está ligado à esperança, à preparação --, Lc 3,1-6, do qual destacamos:
[João Batista] 3percorreu toda a região do Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados, 4como está escrito no Livro das palavras do profeta Isaías: “Esta é a voz daquele que grita no deserto: ‘preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas. 5Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão rebaixadas; as passagens tortuosas ficarão retas e os caminhos acidentados serão aplainados. 6E todas as pessoas verão a salvação de Deus’”.
A cantata possui três árias (para soprano, baixo e contralto, respectivamente), que são intercaladas por dois recitativos (tenor e contralto). A cantata termina com um coro cuja partitura, infelizmente, se perdeu. Como a letra é igual à do coro da cantata 164, é usada a mesma melodia. Na orquestração, oboé, cordas e baixo contínuo.
O principal movimento da cantata é o primeiro: a belíssima ária para soprano citada acima, que se inicia com uma não menos bela introdução instrumental. No nosso imaginário, por se tratar da voz de João Batista clamando no deserto, talvez esperássemos um ária para baixo, árida, com dos gafanhotos com os quais ele se alimentava no deserto. Para nossa surpresa, a voz que clama na cantata de Bach é uma doce voz de soprano. Também chama a atenção o caráter alegre da ária, que nos convida a preparar os caminhos alegremente, jubilosos, esperançosos, segundo o clima definido pelo verso final: O Messias se aproxima!


Como no Youtube só há a ária de abertura e, tanto no aspecto litúrgico quanto no musical, essa é a principal parte para nós, ficaremos apenas com ela. Assim, teremos a oportunidade de melhor saboreá-la.
Encontrei duas versões da ária. A primeira é uma gravação do selo BIS, de 1997, feita no Japão, com a soprano alemã Ingrid Schmithüsen e o Bach Collegium Japan sob a regência de Masaaki Suzuki. Essa é a mais indicada para um primeiro contato com a música. A outra é uma gravação caseira (e, portanto, de baixa qualidade técnica) que tem um interesse: nos coloca dentro de uma igreja luterana de Viena.


Aí vão a letra e os vídeos.

1. Ária - Soprano
Bereitet die Wege,
bereitet die Bahn!
Bereitet die Wege
Und machet die Stege
Im Glauben
und Leben
Dem Höchsten ganz eben,
Messias kömmt an!
Preparai os caminhos,
Preparai a estrada!
Preparai os caminhos
E fazei com que as veredas
Na Fé e na vida
Sejam totalmente aplainadas para o Altíssimo,
O Messias se aproxima!






domingo, 29 de novembro de 2009

Bach - BWV 61 - Cantata para o Primeiro Domingo do Advento

Felizmente para nós, assim como os católicos, os luteranos também têm as quarto semanas do Advento: período de preparação para o nascimento de Cristo, que se renova a cada ano. Portanto, Bach compos cantatas para os domingos desse período e podemos nos servir delas nas nossas reflexões cristãs e, também, para nosso deleite musical.
O primeiro domingo do Advento também é, tanto para católicos como para luteranos, o primeiro domingo do ano litúrgico. Por isso não é de se estranhar que, na ária de tenor (3) tenhamos "Vem, Jesus, vem à Tua igreja E concede-nos um ano novo abençoado!" 
A Cantata Nun komm, der Heiden Heiland (Vem então, Salvador dos gentios) BWV 61 foi composta para o primeiro domingo do advento de 1714, ano em que Bach, aos 29 anos, assumiu suas funções em Weimar. O libreto foi escrito por Erdmann Neumeister, a partir das leituras do dia: Rm 13:11-14 e Mt 21:1-9. Na Epístola, Paulo diz que a Salvação está mais perto, enquanto que o Evangelho mostra a chegada de Jesus em Jerusalém:
Isso é tanto mais importante porque sabeis em que tempo vivemos. Já é hora de despertardes do sono. A salvação está mais perto do que quando abraçamos a fé.
A noite vai adiantada, e o dia vem chegando. Despojemo-nos das obras das trevas e vistamo-nos das armas da luz.
Comportemo-nos honestamente, como em pleno dia: nada de orgias, nada de bebedeira; nada de desonestidades nem dissoluções; nada de contendas, nada de ciúmes.
Ao contrário, revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não façais caso da carne nem lhe satisfaçais aos apetites.

Rm 13:11-14
 e
Aproximavam-se de Jerusalém. Quando chegaram a Betfagé, perto do monte das Oliveiras, Jesus enviou dois de seus discípulos,
dizendo-lhes: Ide à aldeia que está defronte. Encontrareis logo uma jumenta amarrada e com ela seu jumentinho. Desamarrai-os e trazei-mos.

Se alguém vos disser qualquer coisa, respondei-lhe que o Senhor necessita deles e que ele sem demora os devolverá.
Assim, neste acontecimento, cumpria-se o oráculo do profeta:
Dizei à filha de Sião: Eis que teu rei vem a ti, cheio de doçura, montado numa jumenta, num jumentinho, filho da que leva o jugo (Zc 9,9).
Os discípulos foram e executaram a ordem de Jesus.
Trouxeram a jumenta e o jumentinho, cobriram-nos com seus mantos e fizeram-no montar.
Então a multidão estendia os mantos pelo caminho, cortava ramos de árvores e espalhava-os pela estrada.
E toda aquela multidão, que o precedia e que o seguia, clamava: Hosana ao filho de Davi! Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos céus!

Mt 21,1-9


Na liturgia católica, o Advento tem dois momentos: nos dois primeiros domingos reflete-se sobre a segunda vinda de Cristo -- sobre a esperança cristã, "erguei a cabeça" --, enquanto que nos dois últimos é focada a primeira vinda de Cristo.  
Na visão de Jan van Ruusbroec, a vinda a que nos referimos nestes domingos iniciais não seria a segunda, mas a terceira:
«Aí vem o esposo» (Mt 25, 6). Cristo, o nosso esposo, pronuncia esta palavra. Em latim, o termo «venit» contém em si dois tempos do verbo: o passado e o presente, o que não impede de visar também o futuro. É por isso que vamos considerar três vindas do nosso esposo, Jesus Cristo.

Quando da primeira vinda, Ele fez-Se homem por causa do homem, por amor. A segunda vinda tem lugar todos os dias, frequentemente e em muitas ocasiões, em todos os corações que amam, acompanhada de novas graças e de novas dádivas, consoante a capacidade de cada um. A terceira vinda é aquela que terá lugar no dia do Juízo ou na hora da morte.


Bem-aventurado Jan van Ruusbroec (1293-1381), cónego regular

Les Noces spirituelles, 1 (a partir da trad. Louf, Bellefontaine 1993, p. 39 rev.)

Seguem a letra original, a tradução para o português e os vídeos de cada parte.




1. Coro

Nun komm, der Heiden Heiland,
Der Jungfrauen Kind erkannt,
Des sich wundert alle Welt,
Gott solch Geburt ihm bestellt.
Vem então, salvador dos gentios,
Reconhecido como o filho da virgem,  
Do qual o mundo todo se admira
Pelo nascimento que Deus Lhe reservou.






2. Recitativo (tenor)

Der Heiland ist gekommen,
Hat unser armes Fleisch und Blut
An sich genommen
Und nimmet uns zu Blutsverwandten an.
O allerhöchstes Gut,
Was hast du nicht an uns getan?
Was tust du nicht
Noch täglich an den Deinen?
Du kömmst und lässt dein Licht
Mit vollem Segen scheinen.
O Salvador chegou, 
Tomou nossa pobre carne e sangue 
Sobre Si 
E nos recebe como a parentes de sangue. 
Ó excelsa bondade, 
O que não fizeste por nós? 
O que não fazes 
Diariamente pelos Teus? 
Tu vens e faz Tua luz Brilhar, repleta de bençãos, sobre nós.






3. Ária (tenor)

Komm, Jesu, komm zu deiner Kirche
Und gib ein selig neues Jahr!
Befördre deines Namens Ehre,
Erhalte die gesunde Lehre
Und segne Kanzel und Altar!
Vem, Jesus, vem à Tua igreja 
E concede-nos um ano novo abençoado! Promove a glória de Teu nome, 
Conserva os bons ensinamentos 
E abençoa púlpito e altar.




 
4. Recitativo (baixo)

Siehe, ich stehe vor der Tür und klopfe an. So jemand meine Stimme hören wird
und die Tür auftun,
zu dem werde ich eingehen
und das Abendmahl mit ihm halten und er mit mir.
Eis que estou à porta e bato; 
Se alguem ouvir a minha voz 
E abrir a porta. 
Entrarei em sua casa 
E cearei com ele, e ele comigo.





 
5. Ária (soprano)

Öffne dich, mein ganzes Herze,
Jesus kömmt und ziehet ein.
Bin ich gleich nur Staub und Erde,
Will er mich doch nicht verschmähn,
Seine Lust an mir zu sehn,
Dass ich seine Wohnung werde.
O wie selig werd ich sein!
Abre-te inteiramente, meu coração, 
Para que Jesus venha e se instale. 
Embora eu seja apenás pó e terra, 
Ele não me desdenhará 
Mas verá em mim Sua vontade, 
De que eu me torne Sua morada. 
Ah, como serei bem-aventurado!




6. Coro
Amen, amen!
Komm, du schöne Freudenkrone,
bleib nicht lange!
Deiner wart ich mit Verlangen.
Amen, Amen!
Vem, ó bela coroa de alegria,
não te demores!
Espero-te com ansiedade.




Tradução: http://www.bach-cantatas.com/Texts/BWV61-Por1.htm

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Villa-Lobos

Ao lembrar os 50 anos da morte do grande compositor brasileiro, há que se lamentar o fato de sua obra ainda ser pouco tocada e pouco conhecida no Brasil. Figura controversa, talento inegável, de obra extensa (cerca de 1200 peças), Villa reinventou a música brasileira. O assunto Villa-Lobos está longe de ser esgotado, e é isso o que vemos no excelente debate entre o Maestro John Neschling -- recentemente premiado pela importante gravação da integral dos Choros com a Osesp -- João Marcos Coelho e João Luiz Sampaio no Estadão.

Parte 1:


Parte 2:


Parte 3:


Parte 4:

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Bach: Canon Houdemann BWV 1074



Mais Bach. Dessa vez, como a partitura está escrita de forma bastante econômica, aí está ela para que os mais habilidosos possam ouvir a música acompanhando a leitura. Será necessário, contudo, o auxílio de um ou dois espelhos, uma vez que essa partitura é para ser lida não apenas da forma tradicional.
O cânone é uma prática comum do final do renascimento e do barroco. Quando pensamos em cânone, logo nos vem à mente o cânone simples (ou ronda), como Frère Jacques, onde a voz consequente imita a antecedente, com a defasagem de alguns tempos. Entretanto, existem outros tipos de cânone. No cânone por intervalo, por exemplo, a voz consequente imita a antecedente em outro tom; no invertido ou por movimento contrário, a consequente segue a antecedente fazendo o movimento inverso: onde a antecedente sobe x tons, a consequente desce -- é como se colocarmos um espelho na parte de cima da partitura --; no retrógrado, a consequente segue a antecedente de trás para a frente. Um cânone retrógrado invertido é chamado de cânone de mesa, uma vez que corresponde a virar a partitura de ponta cabeça e, portanto, dois músicos em lados opostos de uma mesa podem tocá-lo.
Uma prática comum na época era escrever o cânone em forma de charada, que geralmente pode ser resolvido de mais de uma maneira. O compositor escreve uma lei codificada -- daí o termo cânone, que vem do grego, kanon, e significa lei, regra aceita --, indicando como a voz consequente deve seguir a antecedente. É isso que temos no facsimile acima, do Cânone BWV 1074 de Bach.
A figura abaixo indica as resoluções possíveis, e estão todas no site
http://jan.ucc.nau.edu/~tas3/realhud1.html



É mais que hora de ouvir a música de Bach. Aí está uma gravação do Musica Antiqua Köln. Observe que na gravação são apresentadas duas soluções.



Para finalizar, um pouco mais sobre cânone. Em seu excelente livro de História da Música Ocidental, Palisca fala sobre o tema:
O método mais corrente de escrever cânones consistia em fazer derivar uma ou mais adicionais de uma única voz inicial. As vozes adicionais tanto podiam ser escritas pelo compositor como cantadas a partir das notas da voz inicial, modificadas de acordo com certas instruções. A regra segundo a qual se obtinham estas vozes suplementares chamava-se canone, termo que significa precisamente "regra" ou "lei". (Aquilo a que hoje damos o nome de cânone chamava-se então fuga.) Por exemplo, as indicações do compositor podiam determinar que a segunda voz começasse um certo número de tempos ou compassos depois da voz original; a segunda voz podia ser uma inversão da primeira, ou seja, mover-se sempre com os mesmos intervalos, mas na direcção oposta, ou então a voz derivada podia ser a voz original lida do fim para o princípio -- dava-se a isto o nome de cânone retrógrado ou cânone cancrizans ("caranguejo").
Uma outra possibilidade consistia em fazer evoluir as duas vozes a velocidades diferentes; os cânones deste tipo chamam-se, por vezes, cânones de mensuração, e podiam ser indicados mediante a anteposição de dois ou mais sinais mensurais a uma única melodia escrita. Num cânone de mensuração a relação entre as duas vozes podia ser de aumento simples (evoluindo a segunda voz em notas de valor duplo do das notas da primeira), diminuição simples (a segunda voz em notas de metade do valor), ou uma outra relação mais complexa. É claro que todos os processos atrás descritos podiam ser combinados entre si. Além disso, a voz derivada não tinha de estar necessariamente à mesma altura que a voz original, podendo reproduzir a melodia desta a um determinado intervalo, superior ou inferior. Uma composição podia ainda comportar um cânone duplo, ou seja, dois cânones (ou até mais) cantados ou tocados em simultâneo. Duas ou mais vozes podiam evoluir em cânone, enquanto outras vozes evoluíam em linhas independentes. Em suma, torna-se evidente que era possível um considerável grau de complexidade.
(...)


Se os compositores tinham um prazer malicioso em esconderem do ouvinte os seus artifícios, este amor da mistificação manifestava-se como uma espécie de jogo de adivinhas entre compositor e intérprete. As instruções para se fazer derivar a segunda voz da primeira (ou para se cantar a voz escrita) são, por vezes, formuladas de modo intencionalmente obscuro ou jocoso, por exemplo, Clama ne cesses ("Grita sem cessar"), ou seja, ignora as pausas, e outras mais enigmáticas. Não deixa de ser significativo, quando a música começou a ser divulgada através da imprensa, no século xvi, o facto de os impressores terem muitas vezes o cuidado de fornecerem soluções para tais enigmas.



Referências:
Cânone - Wikipedia.
How to realize Bach's Houdemann Canon.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Bach: Cantata BWV 106 Gottes Zeit ist die allerbeste Zeit - Actus Tragicus

Mil anos aos teus olhos são como o dia de ontem que passou: uma vigília dentro da noite.
(Salmo 90)

Mero acaso -- causado pela leitura do excelente livro Uma Noite no Palácio da Razão, de James R. Gaines -- o fato de a Cantata fúnebre de Bach BWV 106 Gottes Zeit ist die allerbeste Zeit (O tempo de Deus é o melhor de todos os tempos), conhecida como Actus Tragicus, ter chegado a mim num dia de finados.
A belíssima cantata foi escrita para um funeral privado, provavelmente de um tio materno do jovem compositor. Foi a primeira grande obra de Bach, composta quando ele tinha 22 anos. Não há nenhum manuscrito dela: a partitura que chegou até nós foi uma cópia feita após a morte de Bach.
É uma cantata sobre o tempo: o tempo da Terra -- desde a Criação até o Juízo Final --, o tempo dos homens, o tempo de Deus.

No Youtube há um excelente vídeo de Ton Koopman comentando a Cantata e falando do problema criado, para a interpretação das cantatas de Bach, pelas mudanças que o Lá experimentou: 416, 466, 440, etc.



A Cantata começa com a sonatina (1), com o tempo do homem, representado pelas batidas do coração presentes no acompanhamento da viola da gamba. A bela melodia é tocada pela flauta doce. A sonatina começa em Mi bemol maior e neste tom permanece até o movimento seguinte (2a), um coral com polifonia marcadamente renascentista, quando tem início, repentinamente, com uma modulação para Dó menor, uma descida pelas tonalidades: Nele morremos... Após a citação do Salmo 90 (2b), a descida continua, agora para Fá menor, com a fuga que faz referência ao Antigo Testamento (2d). O fundo do poço (si bemol menor) é atengido na ária da contralto com as últimas palavras de Cristo na Cruz (3a): Em tuas mãos entrego o meu espírito.
Felizmente, tem início a ascensão, o movimento para a ressureição, a salvação. No solo de baixo a tonalidade já sobe de fá menor para lá bemol maior com a promessa: Ainda hoje estarás comigo no Paraíso (3b). Ouve-se, então, a soprano cantando um cantus firmus, com notas longas, de um coral luterano: Mit Fried und Freud (Eu parto agora com paz e alegria - 3b). Seguindo a subida, este movimento termina com a tonalidade de mi bemol maior. A Cantata termina glorificando a Deus (4).

Segue a letra em alemão com a tradução em português.




1


Sonatina








Flauto I/II, Viola da gamba I/II, Continuo




2a

Coro








Flauta I/II, Viola da gamba I/II, Continuo



Gottes Zeit ist die allerbeste Zeit.

In ihm leben, weben und sind wir, solange er will.

In ihm sterben wir zur rechten Zeit, wenn er will.

O tempo de Deus é o melhor de todos os tempos.

Nele, vivemos, movemo-nos e existimos enquanto Ele assim quiser.

Nele morremos no tempo certo quando Ele assim quiser.






2b


Arioso Tenor









Flauto I/II, Viola da gamba I/II, Continuo




Ach, Herr, lehre uns bedenken, daß wir sterben müssen, auf daß wir klug werden.



Ah, Senhor, ensina-nos a contar os nossos dias, para tenhamos coração sábio.






2c

Aria Baixo









Flauto I/II, Viola da gamba I/II, Continuo




Bestelle dein Haus; denn du wirst sterben und nicht lebendig bleiben.


Põe em ordem tua casa; pois morrerás e não viverás.






2d


Coro









Flauto I/II, Viola da gamba I/II, Continuo




Es ist der alte Bund: Mensch, du mußt sterben!


É a antiga Lei: Homem, tens que morrer!



Soprano:

Ja, komm, Herr Jesu, komm!





Ora, vem, Senhor Jesus, vem!






3a


Aria Alto









Viola da gamba I/II, Continuo




In deine Hände befehl ich meinen Geist; du hast mich erlöset, Herr, du getreuer Gott.


Em Tuas mãos entrego meu espírito;
Tu me redimiste, Senhor, ó Deus fiel!






3b


Arioso Baixo e Choral










Viola da gamba I/II, Continuo




Heute wirst du mit mir im Paradies sein.

Mit Fried und Freud ich fahr dahin (soprano)


In Gottes Willen,
Getrost ist mir mein Herz und Sinn,

Sanft und stille.
Wie Gott mir verheißen hat:
Der Tod ist mein Schlaf geworden.


Hoje estarás comigo no Paraíso.


Eu parto agora com paz e alegria (soprano)

Pela vontade de Deus.
Confiantes estão meu coração e minha mente,

Brandos e tranqüilos.
Como Deus me havia prometido:
A morte tornou-se meu repouso.






4


Coro









Flauto I/II, Viola da gamba I/II, Continuo




Glorie, Lob, Ehr und Herrlichkeit

Sei dir, Gott Vater und Sohn bereit,

Dem heilgen Geist mit Namen!

Die göttlich Kraft

Mach uns sieghaft

Durch Jesum Christum, Amen.



Gloria, louvor, honra e majestade

A Ti, Deus, Pai, Filho,

E ao Espírito Santo!

A força de Deus

Faz-nos vitoriosos

Por meio de Jesus Cristo, Amen.






--
Baseado nas traduções de Rodrigo Maffei Libonati (http://www.bach-cantatas.com/Texts/BWV106-Por1.htm) e Antonio Braga (Uma Noite no Palácio da Razão)







Existem duas versões da Cantata que podem ser encontradas na Internet. A excelente interpretação de John Eliot Gardiner, que pode ser baixada em http://pqpbach.opensadorselvagem.org/j-s-bach-1685-1750-cantatas-actus-tragicus-bwv-106-cantata-bwv-118b-e-ode-funebre-bwv-198/ , e os vídeos de Ton Koopman com a orquestra barroca de Amsterdam, abaixo. Os vídeos estão indicados de acordo com a numeração usada acima para a separação dos movimentos.


1-2a

2b-2d

3a-4



terça-feira, 27 de outubro de 2009

Haydn: Stabat Mater




Nesta noite vienense, São Paulo receberá a visita da Wiener Akademie, no encerramento da temporada 2009 do Cultura Artística. Da programação destacamos o Stabat Mater de Haydn.

A bela sequência católica Stabat Mater foi composta na idade média (século XIII), para ser cantado com duas melodias distintas do canto gregoriano. O poema nos coloca diante de Maria, a Mãe de Jesus, contemplando seu filho crucificado. Nos fala da dor da Mãe, que sentia uma espada transpassando-lhe a alma. Nos convida a participar de seu sofrimento, a nos emocionarmos diante de tamanho suplício. O autor lembra que todo o sofrimento de Cristo e, consequentemente, o de Maria, foi por causa de nossos pecados -- pelos pecados de seu povo. O autor, então, inicia uma série de súplicas a Maria, para que interceda por ele junto a seu filho, para que as chagas de Cristo se imprimam em seu coração e o amoleçam, que participe de sua Paixão, que esteja chorando com ela, junto à cruz. Finalmente, o autor pede a intercessão de Maria para que o livre do fogo do inferno e sua alma alcance a glória do Paraíso.

Existem mais de 400 versões do Stabat Mater, compostas por compositores como Vivaldi, Scarlatti, Dvorak, Rossini, Pergolesi, Haydn e tantos outros. Porém, à época de Haydn parece que não fazia parte da tradição vienense. A música entrou na vida do austríaco Joseph Haydn (1732-1809) durante sua infância, no coro da Catedral de St Stephen que o compositor começou suas lições musicais. Foi, também, na Stephendom que ele começou a tocar e improvisar ao órgão. A música sacra continuou presente em sua vida como compositor: foram 14 missas e 6 oratórios. O primeiro oratório foi Stabat Mater, composto em 1767. Foi a primeira peça de Haydn a fazer sucesso, foi a peça que o projetou como compositor e, o que era raro na época, foi impressa ainda durante sua vida. Stabat Mater é para quarteto solista -- soprano, mezzosoprano, tenor e barítono --, coro e orquestra de cordas, madeiras e baixo contínuo. Tem duração de um pouco mais de 1 hora.

Tenor e coro

Stabat Mater dolorosa
iuxta Crucem lacrimosa
dum pendebat Filius;
cuius animam gementem
contristatam et dolentem
pertransivit gladius.

Estava a mãe dolorosa junto da cruz, lacrimosa, de onde pendia seu Filho. Sua alma gemente, entristecida e pesarosa, atravessava uma espada.

Mezzosoprano

O quam tristis et affl icta
fuit illa benedicta
Mater Unigeniti!
Quae maerebat — et dolebat,
et tremebat — dum videbat
nati poenas incliti.

Ó, quão triste e aflita,
estava ela, bendita
Mãe do Unigênito!
Como suspirava — e gemia,
e tremia — ao ver
as penas de seu Filho divino.

Coro

Quis est homo qui non fl eret,
Christi Matrem si videret
in tanto supplicio?

Quem não haveria de chorar
Ao ver a Mãe de Cristo
em suplício tamanho?

Soprano

Quis non posset contristari
piam Matrem contemplari
dolentem cum Filio?

Quem não se entristeceria
ao contemplar a Mãe de Cristo
a padecer com o Filho?

Barítono

Pro peccatis suae gentis
vidit Iesum in tormentis
et fl agellis subditum.

Pelos pecados de seu povo
via Jesus em tormento
submetido ao flagelo.

Tenor

Vidit suum dulcem natum
moriendo desolatum,
dum emisit spiritum.

Via seu doce Filho
morrendo, desolado,
a expirar por fim.

Coro

Eia Mater, fons amoris,
me sentire vim doloris
fac, ut tecum lugeam.
Fac, ut ardeat cor meum
in amando Christum Deum
ut sibi compaceam.

Faze-me, ó Mãe, fonte de amor,
sentir a força da tua dor
para que eu possa chorar contigo.
Faz arder meu coração
de amor por Cristo Deus,
para que eu possa agradá-Lo.


Soprano e Tenor

Sancta Mater, istud agas:
crucifi xi fi ge plagas
cordi meo valide.
Tui nati — vulnerati,
tam dignati — pro me pati,
poenas mecum divide.

Santa Mãe, faze que
as chagas do Crucificado
imprimam-se em meu coração.
De teu Filho ferido — que
por mim tanto padeceu —
divide as penas comigo.

Mezzosoprano

Fac me vere tecum fl ere,
Crucifi xo condolere,
donec ego vixero.
Iuxta Crucem tecum stare,
et me tibi sociare
in planctu desidero.

Faze-me contigo chorar,
sofrer com o Crucificado
enquanto vida eu tiver.
Quero estar contigo junto da cruz
e a ti me associar
em teu pranto.

Quarteto e coro

Virgo virginum praeclara,
mihi iam non sis amara,
fac me tecum plangere.
Fac ut portem Christi mortem,
passionis fac consortem,
et plagas recolere.
Fac me plagis vulnerari,
Cruce hac inebriari,
ob amorem Filii.

Virgem das virgens, preclara,
Não sejas comigo amarga,
deixa-me contigo chorar.
Deixa-me suportar a morte de Cristo,
de Sua Paixão ser consorte,
Suas chagas celebrar.
Que Suas chagas me fi ram,
Sua cruz me embriague
de amor por Ele.

Barítono

Flammis orci ne succendar
per te, Virgo, fac, defendar
in die iudicii.

Para que as chamas não me queimem,
defende-me, ó Virgem,
no dia do julgamento.


Tenor

Fac me cruce custodiri,
morte Christi praemuniri,
consoveri gratia.

Faze que me guarde a cruz,
Fortaleça-me a morte de Cristo,
Conforte-me Sua graça.



Soprano, mezzosoprano, coro

Quando corpus morietur,
fac ut animae donetur
paradisi gloria.

E quando meu corpo morrer
faze que minh’alma
alcance a glória do Paraíso.


Tutti

Paradisi gloria... Amen.

A glória do Paraíso... Amém.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Beethoven: Sonata para Piano n. 30 em Mi Maior, Op. 109

Só na minha arte divina posso encontrar o apoio que me permite sacrificar a melhor parte da minha vida para as Musas celestiais. (Beethoven)

Certamente um dos maiores pianistas brasileiros da atualidade, Eduardo Monteiro interpretará, nesta quinta-feira dia 22, em São Paulo, a Sonata Para Piano de Beethoven Número 30, op 109, em Mi maior (1820). A sonata é a primeira do conjunto das últimas sonatas, que compreende as três últimas sonatas, opus 109, 110 e 111, compostas entre 1820 e 1822. É provável que, originalmente, a idéia de Beethoven tenha sido colocar as três peças em um mesmo opus, uma vez que foram compostas para atender a uma encomenda e formam um conjunto.
A sonata n. 30, composta durante o outono de 1820, é contemporânea da Missa Solemnis. É uma sonata em três movimentos que não seguem os padrões convencionais:
1. Vivace ma non troppo – Adagio espressivo 
É um curtíssimo movimento, com menos de 4 minutos, e dois temas curtos e contrastantes.
2. Prestissimo.
Um scherzo, emendado no primeiro movimento, que se inicia por um súbito acorde. 
3. Gesangvoll, mit innigster Empfindung (Andante, molto cantabile ed espressivo).
Um tema inicial, suave, lírico, lento, e seis variações. É o movimento mais longo da sonata.


No Youtube há vídeos de Glenn Gould comentando e tocando a sonata.








O segundo movimento, Prestissimo, pode ser ouvido com Sviatoslav Richter:



Referências:
Wikipedia (inglês)
The Omniscient Mussel 
Fórum Presto

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Ravel: Valses Nobles et Sentimentales



Farão parte do programa do conceituado pianista russo Arcadi Volodos -- que se apresentará nos dias 20 e 21 de outubro na Sala São Paulo como parte da temporada 2009 da Sociedade de Cultura Artística -- as Valsas Nobres e Sentimentais de Ravel.
Em 1823 Schubert compôs dois conjuntos de valsas: Valsas Nobres e Valsas Sentimentais. Quase um século depois, em 1911, Maurice Ravel (1875-1937) prestou uma homenagem ao compositor vienense compondo um único conjunto de valsas que não diferencia as nobres das sentimentais: Valsas Nobres e Sentimentais. A semelhança entre as composições de Schubert e de Ravel, porém, restrigem-se ao nome.
No ano seguinte, 1912, o próprio Ravel escreveu a orquestração de suas valsas. Esta versão o público paulistano já teve a oportunidade de assistir, em maio deste ano, executada pela Orchestre de la Suisse Romande, também na Sala São Paulo e também como parte da temporada 2009 da Cultura Artística.
Com duração aproximada de 15 minutos, a obra se divide em oito movimentos:
1. Modéré
2. Assez lent
3. Modéré
4. Assez animé
5. Presque lent
6. Vif
7. Moins vif
8. Epilogue: lent
A sétima valsa era considerada por Ravel a mais característica. A sexta nos parece a mais 'dançante'. A primeira começa de forma impetuosa, com uma forte dissonância, e pode ter sido uma das causas que levou a peça a não ser bem recebida pelo público em sua estréia, em 8 de maio de 1911, por Louis Albert, pianista a quem a obra foi dedicada. Essa forma de iniciar a peça, aliás, faz lembrar a chicotada com que começa o Concerto para Piano em Sol Maior e contrasta com a delicadesa predominante no restante da obra.


Quem não aguentar esperar o recital para ver Arcadi Volodos tocando as valsas pode recorer ao Youtube e vê-lo no Musikverein, em Viena:
Parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=krBD-MhKUwc
Parte 2: http://www.youtube.com/watch?v=EctD0d0brXc&feature=related


Outras notáveis interpretações também podem ser encontradas no Youtube:
Richter: http://www.youtube.com/watch?v=x8Q2xbaMGpU&feature=PlayList&p=5861341F0D9E4DAF&playnext=1&playnext_from=PL&index=19


Referências:
Wikipédia (francês)
 

Liszt: Après une Lecture de Dante: Fantasia Quasi Sonata.





O poeta que pinta o inferno pinta a sua própria vida.
 Franz Liszt (1811-1886) foi, antes de mais nada, um grande pianista, certamente o maior de sua época. Esse dom teve evidente influência no compositor Liszt, levendo-o a compor peças para piano de difícil execussão. Além disso, em suas composições não há uma melodia principal e um acompanhamento, mas suas melodias são contrapontísticas, o piano todo é como uma orquestra. Neste sentido ele é um herdeiro de Beethoven.
Après une Lecture de Dante, ou Sonata Dante, como também é conhecida, é a sétima peça de seu segundo Année de Pèlerinage, que corresponde às viagens pela Itália. Estreou em Viena, em 1839, tocada pelo próprio Liszt.
Mestre do poema sinfônico, nessa sonata de um único movimento ele se baseia na Divina Comédia, de Dante, e, conforme explicado no vídeo acima, usa o trítino -- o diabolus in musica -- para retratar o inferno.