quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Bach: Canon Houdemann BWV 1074



Mais Bach. Dessa vez, como a partitura está escrita de forma bastante econômica, aí está ela para que os mais habilidosos possam ouvir a música acompanhando a leitura. Será necessário, contudo, o auxílio de um ou dois espelhos, uma vez que essa partitura é para ser lida não apenas da forma tradicional.
O cânone é uma prática comum do final do renascimento e do barroco. Quando pensamos em cânone, logo nos vem à mente o cânone simples (ou ronda), como Frère Jacques, onde a voz consequente imita a antecedente, com a defasagem de alguns tempos. Entretanto, existem outros tipos de cânone. No cânone por intervalo, por exemplo, a voz consequente imita a antecedente em outro tom; no invertido ou por movimento contrário, a consequente segue a antecedente fazendo o movimento inverso: onde a antecedente sobe x tons, a consequente desce -- é como se colocarmos um espelho na parte de cima da partitura --; no retrógrado, a consequente segue a antecedente de trás para a frente. Um cânone retrógrado invertido é chamado de cânone de mesa, uma vez que corresponde a virar a partitura de ponta cabeça e, portanto, dois músicos em lados opostos de uma mesa podem tocá-lo.
Uma prática comum na época era escrever o cânone em forma de charada, que geralmente pode ser resolvido de mais de uma maneira. O compositor escreve uma lei codificada -- daí o termo cânone, que vem do grego, kanon, e significa lei, regra aceita --, indicando como a voz consequente deve seguir a antecedente. É isso que temos no facsimile acima, do Cânone BWV 1074 de Bach.
A figura abaixo indica as resoluções possíveis, e estão todas no site
http://jan.ucc.nau.edu/~tas3/realhud1.html



É mais que hora de ouvir a música de Bach. Aí está uma gravação do Musica Antiqua Köln. Observe que na gravação são apresentadas duas soluções.



Para finalizar, um pouco mais sobre cânone. Em seu excelente livro de História da Música Ocidental, Palisca fala sobre o tema:
O método mais corrente de escrever cânones consistia em fazer derivar uma ou mais adicionais de uma única voz inicial. As vozes adicionais tanto podiam ser escritas pelo compositor como cantadas a partir das notas da voz inicial, modificadas de acordo com certas instruções. A regra segundo a qual se obtinham estas vozes suplementares chamava-se canone, termo que significa precisamente "regra" ou "lei". (Aquilo a que hoje damos o nome de cânone chamava-se então fuga.) Por exemplo, as indicações do compositor podiam determinar que a segunda voz começasse um certo número de tempos ou compassos depois da voz original; a segunda voz podia ser uma inversão da primeira, ou seja, mover-se sempre com os mesmos intervalos, mas na direcção oposta, ou então a voz derivada podia ser a voz original lida do fim para o princípio -- dava-se a isto o nome de cânone retrógrado ou cânone cancrizans ("caranguejo").
Uma outra possibilidade consistia em fazer evoluir as duas vozes a velocidades diferentes; os cânones deste tipo chamam-se, por vezes, cânones de mensuração, e podiam ser indicados mediante a anteposição de dois ou mais sinais mensurais a uma única melodia escrita. Num cânone de mensuração a relação entre as duas vozes podia ser de aumento simples (evoluindo a segunda voz em notas de valor duplo do das notas da primeira), diminuição simples (a segunda voz em notas de metade do valor), ou uma outra relação mais complexa. É claro que todos os processos atrás descritos podiam ser combinados entre si. Além disso, a voz derivada não tinha de estar necessariamente à mesma altura que a voz original, podendo reproduzir a melodia desta a um determinado intervalo, superior ou inferior. Uma composição podia ainda comportar um cânone duplo, ou seja, dois cânones (ou até mais) cantados ou tocados em simultâneo. Duas ou mais vozes podiam evoluir em cânone, enquanto outras vozes evoluíam em linhas independentes. Em suma, torna-se evidente que era possível um considerável grau de complexidade.
(...)


Se os compositores tinham um prazer malicioso em esconderem do ouvinte os seus artifícios, este amor da mistificação manifestava-se como uma espécie de jogo de adivinhas entre compositor e intérprete. As instruções para se fazer derivar a segunda voz da primeira (ou para se cantar a voz escrita) são, por vezes, formuladas de modo intencionalmente obscuro ou jocoso, por exemplo, Clama ne cesses ("Grita sem cessar"), ou seja, ignora as pausas, e outras mais enigmáticas. Não deixa de ser significativo, quando a música começou a ser divulgada através da imprensa, no século xvi, o facto de os impressores terem muitas vezes o cuidado de fornecerem soluções para tais enigmas.



Referências:
Cânone - Wikipedia.
How to realize Bach's Houdemann Canon.

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