quarta-feira, 24 de março de 2010

Berlioz - Sinfonia Fantástica

  Sinfonia Fantástica, Harvey Dunn (1919)
Sinfonia Fantástica em Cinco Atos. (Symphonie fantastique en cinq parties), Op. 14a, foi composta por Hector Berlioz (1803-1869), integrante do romantismo francês, em 1830. Embora tenha estreado no Conservatório de Paris em dezembro do mesmo ano, só foi publicada 15 anos mais tarde, após várias revisões e modificações. A Sinfonia Fantástica em conjunto com Lélio ou O Retorno à Vida formam o conjunto que recebeu o nome de Episódios da Vida de um Artista (Op. 14), que foi apresentado em São Paulo, em abril de 2009, pela Orchestre des Champs-Elysées.

É interessante a história dessa composição. Ao assistir, em 1827, no Théâtre de l'Odéon, à peça Hamlet de Shakespeare, Berlioz se apaixonou pela atriz irlandesa Harriet Smithson, considerada uma atriz de segunda linha.
Rejeitado pela inacessível atriz, Berlioz se convenceu de que era uma cortesã, indigna de seu amor. Nessa linha, e sob a influência de Weber, Gothe e Beethoven, começou a compor a Sinfonia Fantástica: a história de uma paixão seguida por uma desilusão. Para expor a degradação do ídolo, porém, Berlioz não poderia se valer do modelo tradicional da sinfonia. Construiu um drama em cinco partes (expostas abaixo), que evolui dos sentimentos mais puros e apaixonados aos delírios e sarcasmo. Durante toda a obra está presente a amada, ou objeto da obsessão, representada por uma melodia, uma ideia fixa.
A sinfonia é, na verdade, uma colcha de retalhos onde melodias previamente compostas por Berlioz são alinhavada pela ideia fixa. Isso não diminui o valor da obra. Ao contrário, dá maior legitimidade ao subtítulo e à intenção do compositor: episódios da vida de um artista. Faz uma revisão de sua obra, de seus fracassos -- de suas peças não executadas, de suas duas eliminações do concurso de composição de Roma -- e também de seus sucessos -- dos prêmios de Segundo e Primeiro lugar no concurso de Roma e da aceitação como compositor. Ao lado de tudo isso, está sempre presente a paixão pela atriz inglesa, que o perseguia havia quatro anos.
Harriet Smithson não foi à estreia da obra em 1930. Porém, dois anos mais tarde, em novembro de 1932, ela compareceu à execução, em Paris, quando a Sinfonia foi seguida pelo monodrama lírico Lelio ou o retorno à vida -- formando a obra op 14, Episódios da Vida de Um Artista. Após esse acontecimento, Berlioz teve uma recaída e declarou-se à atriz, dessa vez com sucesso. Casaram-se no ano seguinte, mas ficaram poucos anos juntos.

  
Hector Berlioz
A Sinfonia, primeiro exemplo de música programática instrumental, é acompanhada por um roteiro, escrito pelo próprio compositor, publicado no Le Figaro dez dias antes da estreia, que, segundo Berlioz, deve ser distribuído à plateia antes da execução da obra. O roteiro também sofreu modificações. Segundo a versão de 1932.
O compositor teve o objetivo de desenvolver (...) diferentes situações da vida de um artista. (...) O programa a seguir deve ser considerado como o texto falado de uma ópera (...).

Segue a tradução da versão de 1832 do roteiro, a partir do francês fonte:
http://fr.wikipedia.org/wiki/Symphonie_fantastique).


Primeira Parte: Devaneios, Paixões.
O autor supõe que um jovem músico, afetado por essa doença moral que um escritor célebre chamou de “onda de paixões” (vague des passions), vê pela primeira vez uma mulher que reúne todos os charmes do ser ideal com o qual sua imaginação sonha, e se apaixona perdidamente por ela. Por uma singular bizarrice, a imagem queria não se apresenta ao espírito do artista sem estar associada a um pensamento musical, onde ele acha um certo caráter passional, mas nobre e tímido como o objeto de seu amor.
Esse reflexo melódico e seu modelo o perseguem sem cessar, como um dupla idéia fixa. Essa é a razão da aparição constante, em todos os movimentos da sinfonia, da melodia com que começa o primeiro allegro. A passagem desse estado de devaneio melancólico, interrompido por alguns acessos de alegria sem causa, para o de uma paixão delirante, com seus movimentos de furor de ciúmes, seus retornos à ternura, suas lágrimas, etc, tudo isso é o tema do primeiro movimento.
[O primeiro movimento começa com uma introdução lenta – a melodia que representa a idéia fixa – seguida por um allegro, onde estão presentes a alegria sem causa, os acessos de ciúmes, etc]

Segunda Parte: Um Baile.
O artista é colocado nas mais diversas circunstâncias da vida, no meio do tumulto de uma festa, na tranqüila contemplação das belezas da natureza; mas por toda parte, na vila, no campo, a imagem querida vem se apresentar a ele e lançar perturbação a sua alma.
[Logo no início do segundo movimento, após bela participação da harpa, ouve-se a valsa do baile. E eis que surge a idéia fixa dá sinais de vida. Na versão de 1955, só é feita referência à cena do baile, sem se falar em contemplação das belezas da natureza, etc. De fato, no segundo movimento o baile está presente o tempo todo, o que nos leva a crer que as modificações no roteiro reflitam modificações na versão final da música.]

Terceira Parte: Cena no Campo.
Encontrando-se uma tarde no campo, ele escuta ao longe dois pastores que dialogam um ranz de vaches [canção]; esse duo pastoral, o lugar da cena, o leve barulho das árvores docemente agitadas pelo vento, alguns motivos de esperança que ele passou a conceber, tudo colabora para devolver ao seu coração uma calma não usual e a dar a suas idéias uma cor mais radiante. Ele reflete sobre seu isolamento; ele espera em breve não ser mais tão só... Mas se ela o enganar... Essa mistura de esperança e de temor, essas idéias de felicidade perturbadas por maus pressentimentos, formam o tema do adagio. Ao fim, um dos pastores retoma a ranz de vaches; o outro não responde mais... Barulho longo de trovão... Solidão... Silêncio...

Quarta Parte: Marcha do Suplício.
Tendo alcançado a certeza de que aquela que adora não só não responde ao seu amor, mas também é incapaz de compreendê-lo, e que, além disso, ela é indigna dele, o artista se envenena com ópio. A dose do narcótico, fraca demais para levá-lo à morte, o mergulha em um sono acompanhado das mais terríveis visões. Ele sonha que matou aquela que amava, que é condenado, conduzido ao suplício, e que assiste à sua própria execução. O cortejo avança ao som de uma marcha ora sombria e violenta, ora brilhante e solene, na qual um barulho surdo de passos graves sucede sem transição aos mais barulhentos estrondos. Ao fim da marcha, os quatro primeiros compassos da idéia fixa reaparecem como um último pensamento de amor interrompido pelo golpe fatal.

Quinta Parte: Sonhos de uma Noite de Sabbat.
Ele se vê no sabbat, no meio de um grupo horrível de sombras, de feiticeiras, de monstros de todas as espécies, reunidos para seu funeral. Barulhos estranos, gemidos, gargalhadas, gritos longínquos que parecem ser respondidos por outros. A melodia amada reaparece ainda, mas ela perdeu seu caráter de nobreza e timidez; tem somente um ar de dança ignóbil, trivial e grotesca: é ela que vem ao sabbat... Ruidosa de alegria à sua chegada... Ela se mistura à orgia diabólica... Sinos fúnebres, paródia burlesca de Dies Irae. A dança do Sabbat e o Dies Irae juntos.
Links:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hector_Berlioz
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sinfonia_Fant%C3%A1stica
http://www.hberlioz.com/Scores/sfantastique.htm (contém o roteiro em inglês)
http://fr.wikipedia.org/wiki/Symphonie_fantastique (contém o roteiro em francês)

The Hector Berlioz Website.