terça-feira, 20 de abril de 2010

Mahler: Sinfonia n. 1 em Ré Maior


Motivados pelo concerto da Osesp desta semana (22 a 24 de abril de 2010), exploremos um pouco a Sinfonia n. 1 em Ré maior de Gustav Mahler (1860-1911).

Antes de mais nada, ouçamos um delicioso lied -- ou seja, uma canção -- de Malher, que aparecerá durante praticamente todo o movimento da sinfonia. Essa canção, Ging heut morgen übers Feld, é o segundo movimento do ciclo Lieder Eines Fahrenden Gesellen (Canções de um Companheiro Viajante), de 1884, com letra e música do próprio Mahler, e que teve por motivação uma paixão não correspondida. A histórica gravação abaixo é do fantástico barítono alemão Dietrich Fischer-Dieskau.


Ging heut morgen übers Feld Nesta manhã eu andei através de um campo 
Ging heut morgen übers Feld,
Tau noch auf den Gräsern hing;
Sprach zu mir der lust'ge Fink:
"Ei du! Gelt? Guten Morgen! Ei gelt?
Du! Wird's nicht eine schöne Welt?
Zink! Zink! Schön und flink!
Wie mir doch die Welt gefällt!"
Esta manhã atravessei o campo,
Ainda havia orvalho na erva.
Disse-me o tentilhão:
«Olá! Como estás? Bela manhã! Não é verdade?
O mundo não está a tornar-se belo?
Chip! Chip! Belo e vivo!
Como me agrada o mundo!»
Auch die Glockenblum' am Feld
Hat mir lustig, guter Ding',
Mit den Glöckchen, klinge, kling,
Ihren Morgengruß geschellt:
"Wird's nicht eine schöne Welt?
Kling, kling! Schönes Ding!
Wie mir doch die Welt gefällt! Heia!"
Também as flores-campaínhas do campo
Estiveram a anunciar coisas alegres
com o seu pequeno sino, ding, ding.
Ao darem os bons-dias:
«O mundo não está a tornar-se belo?
Ding, ding! Coisa linda!
Como o mundo me agrada! Eia!»
Und da fing im Sonnenschein
Gleich die Welt zu funkeln an;
Alles Ton und Farbe gewann
Im Sonnenschein!
Blum' und Vogel, groß und klein!
"Guten Tag, ist's nicht eine schöne Welt?
Ei du, gelt? Schöne Welt?"
E ali, sob os raios do sol,
Começou o mundo a brilhar.
Tudo ganhou sons e cor
Sob o brilho do sol!
Flores e aves, grandes e pequenas!
«Bom-dia! O mundo não é belo?
E tu, que dizes? Não é verdade? O mundo é belo!»
Nun fängt auch mein Glück wohl an?
Nein, nein, das ich mein',
Mir nimmer blühen kann!
Agora a minha felicidade também vai começar?
Não! Não! A felicidade em que penso
Nunca poderá florescer para mim!

No terceiro movimento será citada a quarta canção do mesmo ciclo. Abaixo está a gravação com o fantástico barítono Thomaz Hampson, que tivemos o inesquecível prazer de assistir em São Paulo, sob a regência de Leonard Bernstein. Observemos que o clima da canção já é bem diferente do da anterior.


Die zwei blauen Augen von meinem Schatz Os dois olhos azuis do meu tesouro

Die zwei blauen Augen von meinem Schatz,
Die haben mich in die weite Welt geschickt.
Da mußt ich Abschied nehmen
Vom allerliebsten Platz!
O Augen blau, warum habt ihr mich angeblickt?
Nun hab' ich ewig Leid und Grämen.


Os dois olhos azuis do meu tesouro
Mandaram-me pelo mundo fora.
Tenho de me despedir
Destes lugares queridos!
Ó olhos azuis! Porque olhastes para mim?
Assim eternamente não terei senão dor e sofrimento!
Ich bin ausgegangen in stiller Nacht
Wohl über die dunkle Heide.
Hat mir niemand Ade gesagt.
Ade! Mein Gesell' war Lieb' und Leide!
Auf der Straße steht ein Lindenbaum,
Da hab' ich zum ersten Mal im Schlaf geruht!
Parti para a noite serena,
Atravessei o prado adormecido.
Ninguém me disse adeus.
Adeus! Os meus companheiros eram o amor e a dor.
À beira do caminho estava uma tília,
Debaixo dela descansei pela primeira vez, adormeci.
Unter dem Lindenbaum, der hat
Seine Blüten über mich geschneit,
Da wußt' ich nicht, wie das Leben tut,
War alles, alles wieder gut!
Alles! Alles, Lieb und Leid
Und Welt und Traum!
Debaixo da tília, que me cobriu
Com o manto dos seus botões em flor.
Ali esqueci o tormento da vida.
Tudo, tudo ficou novamente claro.
Tudo, o amor e o sofrimento,
O mundo e o sonho.


(tradução: http://www.arlindo-correia.com/100204.html)

Agora que já ouvimos e saboreamos as canções  sigamos em frente. A Sinfonia n. 1 de Mahler estreou no dia 20 de novembro de 1889, em Budapest, sob a regência do próprio compositor. Segundo nos indica o depoimento abaixo, com tradução portuguesa, a estréia da sinfonia que hoje é tão bem aceita não foi assim tão tranquila:
Os admiradores e os detractores de Mahler tiveram oportunidade de travar uma acesa batalha no último domingo, durante a estreia da sua Sinfonia Irónica (em Ré maior). Um melómano contou-me como tudo se passou. No terceiro andamento da sinfonia pode ouvir-se uma paródia de uma marcha fúnebre. Alguns entendidos deram logo conta disso e começaram a rir, facto que suscitou a ira dos admiradores de Mahler, para quem era inadmissível que alguém se risse durante uma marcha fúnebre. Tais admiradores tentaram por isso calar as gargalhadas dos ouvintes.
Os detractores de Mahler, porém, entenderam que tal intervenção era excessiva pelo que, pretendendo demonstrar que a marcha fúnebre do senhor Mahler não era música séria, começaram a rir eles próprios com todas as forças que tinham, com o intuito de ridicularizar o senhor Mahler. E assim se desencadeou um combate tumultuoso entre bem e maldizentes. E aqueles entendidos que tinham rido por primeiro não ficaram isentos de consequências pois o ruído provocado pelos demais levou a que os sons cómicos da orquestra deixassem de se ouvir.


(Karl Kraus, A Tocha, nº 59, novembro de 1900)
Na estréia a sinfonia ainda estava em sua forma original: um poema sinfônico com duas partes, sendo que a primeira se referia à recordação da juventude e a segunda, à comédia humana. Na segunda execução (1893), Mahler deu o título Titã -- devido à novela homônima do escritor alemão Johann Paul Friedrich Richter (1763-1825), conhecido como Jean Paul --,
anexou um programa detalhado e a transformou em um poema sinfônico em forma de sinfonia, com cinco movimentos, mas ainda divididos em duas partes. A partir da quarta execução (1896), Mahler excluiu qualquer programa ou título, deixando-a apenas como Sinfonia em Ré Maior, e ainda com cinco movimentos. Por ocasião da impressão, em 1899, o segundo movimento foi suprimido, por não combinar tematicamente com os outros quatro, que são unidos por um motivo de quarta descendente -- conforme ouviremos logo no início do primeiro movimento. Podemos ver, assim, que a sinfonia não nasceu da forma que a conhecemos hoje. Ao contrário, apesar de o compositor já apresentar grande maturidade musical e material inovador, demorou para se sentir seguro com sua primeira sinfonia. O rótulo 'sinfonia' traz uma responsabilidade que frequentemente inibe compositores. Para Brahms, por exemplo, o processo de compor sua primeira sinfonia também não foi nem um pouco fácil.

Primeiro Movimento





É o primeiro movimento da primeira parte da sinfonia que, segundo o  programa de 1893, descrevia as “Recordações de juventude: promessas, conquistas e espinhos”. Este movimento é a primavera sem fim.
Ele começa, como o despertar da natureza após longa hibernação, com um Lá longo nas cordas, que persiste enquanto madeiras tocam um pequeno tema de duas notas (que faz lembrar o comecinho da Nona Sinfonia de Beethoven), a primeira quarta descendente -- que, conforme observamos acima, será uma constante durante a sinfonia --, um lá-mi, que se repete mais uma vez e, na terceira, é acrescido de mais duas quartas descendentes, formando um tema de seis notas a partir da sequência: quarta descendente, segunda ascendente. Em seguida, a família das clarinetas toca uma rápida e alegre fanfarra. Retorna a sequência de seis notas, com uma sétima a finalizando, e, em seguida, a fanfarra, mas dessa vez com três trompetes que estão fora do palco, representando trompas de caça. A resposta a isso é o tema de quarta descendente de duas notas, fazendo, nitidamente, um 'cuco': um som da natureza. Aliás, essa introdução, segundo Mahler indicou na partitura, deve ser tocada como um som da natureza.
Repetem-se as quartas descendentes e eis que surge, a partir delas, o lied 'Ging heut morgen übers Feld', tema principal do primeiro movimento, que colocamos acima. Mesmo durante o lied, a quarta descendente faz 'cu-co'. Neste momento, cria-se um encantador clima pastoral e a pureza dos sons da manhã, da natureza, tomam conta da sinfonia. É como se pássaros estivessem emprestando seu canto ao lied de Mahler. Após um climax, a orquestra volta a se acalmar, persistindo apenas as quartas descendentes. A esse 'intervalo' se segue um tema bem austríaco, que nos transporta à Viena do tempo de Mahler, no qual o lied está presente.
Acreditamos que alguém que não conheça o lied usado neste movimento não tenha qualquer prejuízo na sua apreciação, uma vez que o clima transmitido por Mahler independe de qualquer conhecimento prévio.

Segundo Movimento



Ao ouvir este movimento, não se engane: não é a cena do brinde de La Traviata! Mahler era maestro, o que pode explicar a citação, mas seria um inútil exercício tentar adivinhar o que Mahler quis com isso, ou mesmo se planejou isso ou se simplesmente a música veio à sua cabeça sem pedir licença.
Uma dança com ritmo acentuado, introduzida por trompetes, que fazem quase que um anúncio imperial, toma conta de quase todo o movimento. Nesta dança, os violinos têm presença importante -- em contraste com as outras partes, dominadas pelos instrumentos de sopro. A dança é considerada o único scherzo de uma sinfonia de Mahler que não tenha um caráter de paródia ou ironia. As quartas descendentes também podem ser ouvidas.
Na metade do movimento surge o trio: uma valsa mais lenta, mais calma, sensual, onde cordas e madeiras dialogam. A dança rústica inicial é logo retomada e persiste até o fim do movimento.

Terceiro Movimento



Começa com a conhecida canção Frère Jacques, em cânone -- que, segundo Mahler, deve permanecer piano e sem crescendo --, porém em tom menor e como uma marcha fúnebre. Verdi aparece novamente, agora com o Rigoletto (Ato 1, Cena 2). Seguem-se citações de canções circenses ou de feira popular e a já mencionada quarta canção do ciclo. Após isso, retornam Frère Jacques e a marcha fúnebre que, segundo o trecho acima, causou risos nos entendidos da época, delatores de Mahler.
Porém, o que terá chocado ainda mais o
público do seu tempo, foi o programa que Mahler distribuiu e segundo o qual este andamento seria uma Marcha fúnebre “ao estilo de Callot”. A alusão a Jacques Callot (1592-1635), um estranho artista gráfico francês famoso pelo tom fantástico e grotescamente anedótico dos seus desenhos, é simultaneamente uma alusão a E.T.A. Hoffmann e às suas Fantasiestücke in Callots Manier (Peças fantásticas à maneira de Callot, 1814-15) – que tinham inspirado já Schumann para as Peças de Fantasia op.12. Esta alusão indica que não se trata aqui de luto, mas sim de uma paródia sobre o luto, na qual o elemento grotesco assume preponderância. Mais ainda: Mahler associa toda a cena a uma imagem muito conhecida dos livros infantis do espaço cultural germânico, um desenho intitulado “As cerimónias fúnebres do caçador”, no qual diversos animais da floresta acompanham o caixão do caçador morto até à sepultura: lebres empunham estandartes, enquanto à frente uma banda de música da Boémia toca, sendo acompanhada por gatos, sapos, e gralhas; veados, corças, raposas e outros animais quadrúpedes acompanham o cortejo em posturas burlescas.

(Paulo Pereira de Assis, no programa da Orquestra Nacional do Porto - 16/01/2010)

Quarto Movimento





Começa num bom estilo de filme de suspense. Sem dúvida trata-se do trecho sinfônico mais barulhento até então escrito. Devemos observar que para fazer o fortíssimo Mahler não se vale de todos os instrumentos da orquestra tocando juntos, mas sim sequencialmente. Surge uma melodia que só vai acumulando energia, tensão, passando longe de qualquer cadência ou repouso. Após um tempo, a orquestra se cala e recomeça com mais tranquilidade. Surge um segundo tema mais lírico, de grande beleza e dramaticidade, e bastante longo.
O primeiro tema retorna, sempre com violência.
Em seguida a orquestra se acalma e uma surpresa: aparecem o cuco (quarta descendente) e a melodia principal do primeiro movimento (Ging heut morgen übers Feld).
Os sons da natureza, como no primeiro movimento, persistem mesmo na coda, inclusive com a nota sustentada nas cordas.

Quanto às gravações existentes, além da de Leonard Bernstein aqui usada, recomendamos fortemente a de Bruno Walter, assistente de Mahler.
Um vídeo atual excelente é o que está no ar na Medici TV, da Orquestra de Paris sob a regência de Christoph Eschenbach:
http://www.medici.tv/bk/movie/14208/play/

domingo, 4 de abril de 2010

Bach: Oratório de Páscoa (BWV 249)

No primeiro dia da semana, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, Maria Madalena foi ao túmulo e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo.
Ela saiu correndo e foi se encontrar com Simão Pedro e com o outro discípulo, aquele que Jesus mais amava. Disse-lhes: “Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram”.
Pedro e o outro discípulo saíram e foram ao túmulo.
Os dois corriam juntos, e o outro discípulo correu mais depressa, chegando primeiro ao túmulo.
Inclinando-se, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou.
Simão Pedro, que vinha seguindo, chegou também e entrou no túmulo. Ele observou as faixas de linho no chão,
e o pano que tinha coberto a cabeça de Jesus: este pano não estava com as faixas, mas enrolado num lugar à parte.
O outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo, entrou também, viu e creu.
De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos.

(Jo 20, 1-9)

O Oratório de Páscoa (Osteroratorium BWV 249) foi composto por Bach na década de 1730.

De comovente beleza, ele começa com uma vibrante Sinfonia que tem algumas frases que fazem lembrar a sinfonia de abertura do Oratório de Natal. Tal associação faz todo o sentido, inclusive por estarem ligadas as idéias de Ressurreição e nascimento. O lindo Adagio, quase uma ária para oboe d'amore, dá o clima de vazio, de silêncio, que imperava após a morte de Jesus. A vibração da sinfonia é retomada no coro inicial, que canta a corrida de Pedro e João em direção ao túmulo onde Jesus deveria estar. A atmosfera do Adagio, no entando, é retomada. Como narra o momento em que mulheres e, em seguida, os discípulos descobriram que a pedra havia sido retirada e o túmulo estava vazio, o oratório começa com a dúvida e a hesitação, ainda sob o efeito da tristeza causada pela morte de Jesus, e com uma música de grande beleza e delicadeza. Ao longo do oratório surge a agitação -- 'onde encontro Jesus?' -- e, finalmente, a alegria: 'nosso Salvador vive de novo! Alegrai-vos!'

No vídeo, o Philippe Herreweghe, um especialista no assunto que tivemos o privilégio de ver, aqui em São Paulo, em 2009. Podem ser vistos, no vídeo, instrumentos de época como o oboe d'amore, já citado, e flauta de madeira, etc.

Infelizmente, os recitativos foram suprimidos do vídeo do youtube. Colocaremos, porém, o texto aqui, para que se tenha uma visão completa da obra.

Oratório de Páscoa
BWV 249

Philippe Herreweghe
Collegium Vocale

soprano: Agnès Mellon
alto: Andreas Scholl
tenor: Mark Padmore
baixo: Peter Kooy

1. Sinfonia


2. Adagio


3. Coro

Kommet,Kommt, eilet und laufet, ihr flüchtigen Füße,
Erreichet die Höhle, die Jesum bedeckt!
Lachen und Scherzen
Begleitet die Herzen,
Denn unser Heil ist auferweckt.
Vinde, correi e com pressa, pés fugitivos,
Alcançai a gruta que cobre a Jesus!
Risos e graças
Seguem os Corações,
Pois nosso Salvador despertou.

4. Recitativo

Ó fria Mente dos Homens!
Onde foi o Amor,
Que ao Salvador deveis?

Uma fraca mulher vos envergonha!

Ah! Uma turbada Aflição,

E no Coração um doloroso penar,

Com salgadas Lágrimas
E Ânsias plenas de melancolia
Ungüento para ele hão de ser,

Que vós, assim como nós, em vão preparastes.

5. Ária

Seele, deine Spezereien
Sollen nicht mehr Myrrhen sein.
Denn allein
Mit dem Lorbeerkranze prangen,
Stillt dein ängstliches Verlangen.
Alma, teus ungüentos
Não devem ser mais de mirra.
Pois somente
O esplendor de uma coroa de louros
Há de pacificar teus ansiosos Anelos.

6. Recitativo

Eis a Gruta.

E aqui a Pedra,
Que tal a recobre.
Mas onde estará meu Salvador?

Da Morte ele despertou!
Um anjo encontramos,
Que tal coisa nos fez saber.

Vejo aqui com Alegria
Que o sudário jaz desfeito.

7. Ária

7
Sanfte soll mein Todeskummer,
Nur ein Schlummer,
Jesu, durch dein Schweißtuch sein.
Ja, das wird mich dort erfrischen
Und die Zähren meiner Pein
Von den Wangen tröstlich wischen.
7
Suave seja a tristeza da Morte,
Apenas um sono,
Jesus, por causa de teu Sudário.
Sim, ele há de ser o meu refrigério
E das Lágrimas de meu Penar,
A minha face, consolador, há de limpar.

8. Recitativo

Entretanto, nós suspiramos
Com ardente Desejo:
Ah, pudesse ser isto logo consumado,
Ao Salvador ele mesmo contemplar!

9. Ária

Saget, saget mir geschwinde, Saget, wo ich Jesum finde, Welchen meine Seele liebt! Komm doch, komm, umfasse mich; Denn mein Herz ist ohne dich Ganz verwaiset und betrübt. Dizei-me, dizei-me logo, Dizei-me onde encontro Jesus, Aquele amado por minha Alma! Vem, pois, vem e abraça-me; Pois meu Coração está sem Ti Desvalido, todo sofrendo.

10. Recitativo

Nós somos alegres,
Pois nosso Jesus vive outra vez,
E nosso Coração
Antes suspenso e desfeito em Tristeza
Esquece a Dor
E pensa em Cânticos de Alegria;
Pois nosso Salvador vive de novo. 

11. Coro


Preis und Dank Bleibe, Herr, dein Lobgesang. Höll und Teufel sind bezwungen, Ihre Pforten sind zerstört. Jauchzet, ihr erlösten Zungen, Dass man es im Himmel hört. Eröffnet, ihr Himmel, die prächtigen Bogen, Der Löwe von Juda kommt siegend gezogen! Adoração e Graças Permaneçam, Senhor, em teu canto de Louvor. O Inferno e o Diabo submetidos estão. Seus Portões são destruídos. Alegrai-vos, ó Línguas desatadas, Pois ouvidas sois no Céu. Abri, vós Céus, os esplêndidos Arcos, O Leão de Judá chega em triunfo!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Bach: A Paixão Segundo São João

A Paixão Segundo São João (BWV 245) estreou na Sexta-feira Santa de 1724, na Igreja de São Nicolau, em Leipzig, onde Bach era kantor havia aproximadamente 1 ano.

As paixões compostas por Bach podem ser consideradas paixão oratório. A paixão é um estilo musical existente desde a Idade Média e que ganhou força principalmente com o luteranismo. No trecho abaixo, Claude Palisca explica o desenvolvimento da paixão:
Já na alta Idade Média existiam composições de cantochão sobre os relatos dos Evangelhos acerca da paixão e morte de Cristo. A partir do século xii, aproximadamente, tornou-se hábito recitar a história em forma semidramática, com um sacerdote a cantar as partes narrativas, outro as palavras de Cristo e um terceiro as palavras da multidão (turba), tudo isto com contrastes apropriados de âmbito vocal e pulsação. Desde finais do século xv, os compositores começaram a escrever versões polifónicas dos trechos da turba em estilo de motete, contrastando com os trechos a solo, em cantochão; este tipo de composição ficou conhecido como paixão dramática ou cênica. Johann Walter adaptou a paixão dramática ao uso luterano com texto alemão na sua Paixão segundo S. Mateus, de 1550, e o seu exemplo foi seguido por muitos compositores luteranos posteriores, incluindo Heinrich Sch_tz. No entanto, sucedia também muitas vezes ser o texto integralmente musicado como uma série de motetes polifónicos -- a paixão motete. Vários foram os compositores católicos que, a partir de meados do século xv, escreveram paixões de motetes (...).
O nascimento do estilo concertato deu origem, no século xvii, a um novo tipo de paixão, próxima da forma do oratório, a que, por isso, se dá o nome de paixão oratório, incluindo este tipo de composição recitativos, árias, conjuntos, coros e peças instrumentais, prestando-se todos eles a uma apresentação dramática, como na ópera. (...)
Na segunda metade do século xvii o texto foi acrescido, em primeiro lugar, de meditações poéticas sobre os acontecimentos narrados, inseridos nos locais apropriados e, geralmente, musicados como árias solísticas, por vezes antecedidas de recitativo, e, em segundo lugar, de corais tradicionalmente associados à história da Paixão, que eram geralmente cantados pelo coro ou pela congregação.
(...)
Nos primeiros anos do século xviii, sob a influÊncia do pietismo, surgiu um novo tipo de texto da Paixão com Jesus ensanguentado e moribundo, de Hunold-Menantes (1704), onde a narrativa bíblica era parafraseada com pormenores cruamente realistas e interpretações simbólicas tortuosas, bem ao gosto da época. De clima semelhante é o popular texto da Paixão de B. H. Brockes (1712), que foi trabalhado por Keiser, Haendel, Mattheson e cerca de quinze outros compositores do século xviii. Até J. S. Bach recorreu a ela para os textos de algumas árias da sua Paixão segundo S. João.
(Claude V. Palisca. História de Música Ocidental.)

Os elementos da paixão oratório -- e que estão presente nesta Paixão -- são o recitativo, a ária e o coral. Nos recitativos estão os textos extraídos do Evangelho, sendo que o evangelista é geralmente um tenor, Jesus e demais personagens, baixos. As árias são textos poéticos, não evangélicos, comentando a parte do texto que se está tratando. É interessante observar, na Paixão segundo São João, a presença da primeira pessoa do singular nas árias, coisa que, até então, não era muito comum. Não era comum aparecer a individualidade, mas apenas a coletividade. Acredita-se que essa mudança possa ter sido uma influência do pietismo, que propunha uma religião mais introspectiva, preocupando-se também com o indivíduo. Conforme exposto no texto acima, o coro, que tantas vezes surge durante os textos evangélicos, representa a coletividade, a turba. Já as partes corais são, como as árias, comentários poéticos.
Como era comum nas paixões oratório, a presente possui duas partes. Entre uma e outra, era feito um sermão.

De forte carga dramática, a Paixão Segundo São João, em nosso meio, é ofuscada pela Paixão Segundo São Mateus, considerada uma das obras-primas de Bach. Ao contrário da Paixão Segundo Mateus, a Segundo João não tem o texto integralmente composto por um libretista -- pelo menos o nome de tal poeta não é conhecido. Acredita-se que os textos das árias e corais tenham cada um uma origem diferente.

Os vídeos abaixo têm um dos melhores regentes da música de Bach: John Eliot Gardiner. No palco, temos a equipe especializada em música barroca, com instrumentos de época, que sempre o acompanha: English Baroque Solists e Monteverdi Choir. Os instrumentos barrocos podem ser observados no vídeo, principalmente os de sopro.  São usadas, por exemplo, flautas de madeira -- o que nos faz lembrar por que elas são integrantes do naipe das madeiras.
Podem ser vistos, ainda, o órgão, com suas chaves para mudança de registro, e o cravo, que fazem, juntamente com outros instrumentos, o continuo.
Na presente montagem, um contratenor substitui a contralto.

Quanto à tradução para o português, está sujeita a imperfeições, uma vez que não foi feita diretamente do alemão, mas a partir de traduções para o inglês, francês e espanhol. Além disso, nos trechos em que o evangelho é transcrito, foi utilizada a tradução da CNBB da Bíblia para o português.


Paixão Segundo São João
(BWV 245)
Johann Sebastian Bach

John Eliot Gardiner

English Baroque Solists
Monteverdi Choir. 

Mark Padmore: (tenor - Evangelista)
Peter Harvey (barítono - Cristo)

Katharine Fuge (soprano)
Robin Blaze (contratenor)
Nicholas Mulroy (tenor)
Jeremy Budd (tenor)
Matthew Brook (baixo)

Primeira Parte


1. Coro
Destacamos, em primeiro lugar, o coro inicial, já ele dramático, que introduz a peça. Ele nos convida a ver que até na humilhação, no sofrimento, o Filho de Deus é glorificado. Sua Paixão, antes de dolorosa, trágica, triste, é sagrada, gloriosa.


Herr, unser Herrscher, dessen Ruhm In allen Landen herrlich ist!
Zeig uns durch deine Passion,
Daß du, der wahre Gottessohn,
Zu aller Zeit,
Auch in der größten Niedrigkeit,
Verherrlicht worden bist!
Senhor, Senhor!
Tua glória reina em todos os povos! Mostra-nos, por tua Paixão,
que Tu, Filho do Deus verdadeiro,
Até nas maiores humilhações
Foi glorificado

Jo 18, 1-11
Logo no início, já chama a atenção a forma como Bach lida com os recitativos, tornando-os dramáticos, melodiosos, e intercalando-os com frases bastante vibrantes, embora breves, do coro. Nessas intervenções pode-se observar um contraste típico do barroco.
No coral número 7, observamos a exaltação do Amor, porém o autor, em vez de, justamente pensando nesse Amor, reconhecer que Jesus sofreu  no nosso lugar, canta um pesado sentimento de culpa por viver os prazeres, as alegrias da vida, pensamento característico da mentalidade religiosa de seu tempo. Essa mentalidade, porém, será gradativamente superada ao longo da obra.
No coral seguinte, uma doce prece.


2.Rezitativ


EVANGELIST
Jesus ging mit seinen Jüngern über den Bach Kidron, da war ein Garten, darein ging Jesus und seine Jünger. Judas aber, der ihn verriet, wußte den Ort auch, denn Jesus versammlete sich oft daselbst mit seinen Jüngern. Da nun Judas zu sich hatte genommen die Schar und der Hohenpriester und Pharisäer Diener, kommt er dahin mit Fackeln, Lampen und mit Waffen. Als nun Jesus wußte alles, was ihm begegnen sollte, ging er hinaus und sprach zu ihnen:


JESUS
Wen suchet ihr?


EVANGELIST
Sie antworteten ihm:


3. CHOR
Jesum von Nazareth!


4. Rezitativ


EVANGELIST
Jesus spricht zu ihnen:


JESUS
Ich bin's.


EVANGELIST
Judas aber, der ihn verriet, stund auch bei ihnen. Als nun Jesus zu ihnen sprach: Ich bin's! wichen sie zurücke und fielen zu Boden. Da fragete er sie abermal:


JESUS
Wen suchet ihr?


EVANGELIST
Sie aber sprachen:


5. CHOR
Jesum von Nazareth!


6. Rezitativ


EVANGELIST
Jesus antwortete:


JESUS
Ich hab's euch gesagt, daß ich's sei;
suchet ihr denn mich, so lasset diese gehen!



7. CHORAL
O große Lieb', o Lieb' ohn alle Maße,
Die dich gebracht auf diese Marterstraße!
Ich lebte mit der Welt in Lust und Freuden, Und du mußt leiden!

8. Rezitativ

EVANGELIST
Auf daß das Wort erfüllet würde, welches er sagte:
Ich habe der keine verloren, die du mir gegeben hast.
Da hatte Simon Petrus ein Schwert und zog es aus und
schlug nach des Hohenpriesters Knecht und hieb ihm
sein recht' Ohr ab; und der Knecht hieß Malchus. Da
sprach Jesus zu Petro:

JESUS
Stecke dein Schwert in die Scheide!
Soll ich den Kelch nicht trinken,
den mir mein Vater gegeben hat?

9. CHORAL
Dein Will' gescheh, Herr Gott, zugleich
Auf Erden wie im Himmelreich.
Gib uns Geduld in Leidenszeit,
Gehorsam sein in Lieb' und Leid;
Wehr' und steu'r allem Fleisch und Blut,
Das wider deinen Willen tut!
2. Recitativo

EVANGELISTA
Jesus saiu com seus discípulos para o outro lado da torrente do Cedron. Lá havia um jardim, no qual ele entrou com os seus discípulos. Também Judas, o traidor, conhecia o lugar, porque Jesus muitas vezes ali se reunia com seus discípulos. Judas, pois, levou o batalhão romano e os guardas dos sumos sacerdotes e dos fariseus, com lanternas, tochas e armas, e chegou ali. Jesus, então, sabendo tudo o que ia acontecer com ele, saiu e disse:

JESUS
A quem procurais?

EVANGELISTA
Responderam-lhe:

3. CORO
A Jesus de Nazaré!

4. Recitativo

EVANGELISTA
Jesus lhes disse:

JESUS
Sou eu.

EVANGELISTA
Judas, o traidor, estava com eles. Quando Jesus disse “Sou eu”, eles recuaram e caíram por terra. De novo perguntou-lhes:

JESUS
A quem buscais?

EVANGELISTA
Eles disseram:

5. CORO
A Jesus de Nazaré.

6. Recitativo

EVANGELISTA
Respondeu Jesus:

JESUS
Já vos disse que sou eu.
Se é a mim que procurais, deixai que estes aqui se retirem

7. CORAL
Ó grande Amor! Ó Amor sem medida,
que te levou a este caminho de martírio!
Eu tenho vivido em um mundo de alegria e prazeres, e Tu deves sofrer!.

8. Recitativo

EVANGELISTA
Assim se cumpria a palavra que ele tinha dito: “Não perdi nenhum daqueles que me deste”. Simão Pedro, que tinha uma espada, puxou-a e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a ponta da orelha direita. O nome do servo era Malco. Jesus disse a Pedro:

JESUS
Guarda a tua espada na bainha.
Será que não vou beber o cálice que o Pai me deu?

9. CORAL
Faça-se a tua vontade, meu Deus,
assim na Terra como no Céu.
Dá-nos paciência no sofrimento,
obediência na alegria e na dor,
e afasta-nos de toda a carne e todo o sangue que se oponha à tua vontade.

Jo 18, 12-14

Neste terceiro vídeo, após o recitativo, temos, na voz do contra-tenor, a bela ária normalmente cantada por contralto. No trecho anterior, observamos o sentimento de culpa por viver uma vida feliz em vista do sofrimento do Salvador. Aqui, nesta ária, o compositor já começa a abandonar esse sentimento ao reconhecer que foi para nos libertar que Cristo foi preso.


10. Rezitativ

EVANGELIST
Die Schar aber und der Oberhauptmann und die Diener der Jüden nahmen Jesum und bunden ihn und führeten ihn aufs erste zu Hannas, der war Kaiphas' Schwäher, welcher des Jahres Hoherpriester war.
Es war aber Kaiphas, der den Jüden riet, es wäre gut, daß ein Mensch würde umbracht für das Volk.

11. Arie (Alt)
Von den Stricken meiner Sünden Mich zu entbinden, Wird mein Heil gebunden.
Mich von allen Lasterbeulen Völlig zu heilen, Läßt er sich verwunden.
10. Recitativo

EVANGELISTA
O batalhão, o comandante e os guardas dos judeus prenderam Jesus e o amarraram. Primeiro, conduziram-no a Anás, sogro de Caifás, o sumo sacerdote daquele ano.
Caifás é quem tinha aconselhado aos judeus: “É conveniente que um só homem morra pelo povo”.

11. Aria (contratenor)
Para me libertar das amarras do meu pecado,  Meu Salvador foi preso.
Para curar a infecção da minha iniquidade,

Jo 18, 15
Seguindo o caminho da 'descoberta' da Paixão de Cristo, a ária de soprano representa a total substituição do sentimento de culpa pelo desejo de seguir Jesus. O tom de lamento é substituído por uma alegre melodia. Merece ser observada a participação das flautas, dividindo a cena com a soprano. A flauta, no barroco, está, de modo geral, ligada ao sentimento de Amor.


12. Rezitativ

EVANGELIST
Simon Petrus aber folgete Jesu nach und ein ander
Jünger.

13. Arie (Sopran)

Ich folge dir gleichfalls mit freudigen Schritten
Und lasse dich nicht,
Mein Leben, mein Licht.
Beförd're den Lauf
Und höre nicht auf,
Selbst an mir zu ziehen, zu schieben, zu bitten.
12. Recitativo

EVANGELISTA
Simão Pedro e um outro discípulo seguiam Jesus.

13. Aria (soprano)

Eu também te seguirei com alegres passos,
E não te deixarei,
Minha Vida, minha Luz.
Nunca deixes de me mostrar o caminho
Guia-me, encoraja-me a segui-lo.


Jo 18,15-23
No coral final deste trecho pode-se encontrar um repúdio à violência. 


14. Rezitativ

EVANGELIST
Derselbige Jünger war dem Hohenpriester bekannt und
ging mit Jesus hinein in des Hohenpriesters Palast.
Petrus aber stund draußen vor der Tür. Da ging der
andere Jünger, der dem Hohenpriester bekannt war,
hinaus und redete mit der Türhüterin und führete
Petrum hinein. Da sprach die Magd, die Türhüterin, zu
Petro:

ANCILLA (Magd)
Bist du nicht dieses Menschen Jünger einer?

EVANGELIST
Er sprach:

PETRUS
Ich bin's nicht!

EVANGELIST
Es stunden aber die Knechte und Diener und hatten ein
Kohlfeu'r gemacht (denn es war kalt) und wärmeten
sich. Petrus aber stund bei ihnen und wärmete sich.
Aber der Hohepriester fragte Jesum um seine Jünger
und um seine Lehre. Jesus antwortete ihm:

JESUS
Ich habe frei, öffentlich geredet vor der Welt. Ich habe
allezeit gelehret in der Schule und in dem Tempel, da
alle Jüden zusammenkommen, und habe nichts im
Verborgnen geredt. Was fragest du mich darum? Frage
die darum, die gehöret haben, was ich zu ihnen geredet
habe! Siehe, dieselbigen wissen, was ich gesaget habe!

EVANGELIST
Als er aber solches redete, gab der Diener einer,
die dabei stunden, Jesu einen Backenstreich und
sprach:

SERVUS (Diener)
Solltest du dem Hohenpriester also antworten?

EVANGELIST
Jesus aber antwortete:

JESUS
Hab ich übel geredt, so beweise es, daß es böse sei,
hab ich aber recht geredt, was schlägest du mich?

15. CHORAL
Wer hat dich so geschlagen,
Mein Heil, und dich mit Plagen
So übel zugericht'?
Du bist ja nicht ein Sünder
Wie wir und unsre Kinder,
Von Missetaten weißt du nicht.
Ich, ich und meine Sünden,
Die sich wie Körnlein finden
Des Sandes an dem Meer,
Die haben dir erreget
Das Elend, das dich schläget,
Und das betrübte Marterheer.
14. Recitativo

EVANGELISTA
Este discípulo era conhecido do sumo sacerdote.
Ele entrou com Jesus no pátio do sumo sacerdote. 
Pedro ficou do lado de fora, perto da porta.
O outro discípulo, que era conhecido do sumo sacerdote, saiu, conversou com a empregada da porta e levou Pedro para dentro.
A criada da porta disse a Pedro:

CRIADA
Não pertences tu também aos discípulos desse homem?

EVANGELISTA
Ele respondeu:

PEDRO
Não sou.

EVANGELISTA
Os servos e os guardas tinham feito um fogo, porque fazia frio; estavam se aquecendo, e Pedro estava com eles para se aquecer.
O sumo sacerdote interrogou Jesus a respeito dos seus discípulos e do seu ensinamento.
Jesus respondeu:

JESUS
Eu falei abertamente ao mundo. Eu sempre ensinei nas sinagogas e no templo, onde os judeus se reúnem. Nada falei às escondidas.
Por que me interrogas? Pergunta aos que ouviram o que eu falei; eles sabem o que eu disse.

EVANGELISTA
Quando assim falou, um dos guardas que ali estavam deu uma bofetada em Jesus, dizendo:

GUARDA:
É assim que respondes ao sumo sacerdote?

EVANGELISTA
Jesus replicou-lhe:

JESUS
Se falei mal, mostra em que falei mal; e se falei certo, por que me bates?

15. Coral
Quem te golpeou assim, meu Deus,
E te colocou em tão triste estado?
Tu não és pecador como nós e nossos filhos;
não conheces o mal.
Sou eu quem,
com meus pecados,
numerosos como os grãos da areia,
fui a causa de tuas aflições e teus tormentos.


Jo 18, 24-27
Encerrando a primeira parte da Paixão estão as duas últimas negações de Pedro, a ária de Pedro e um coral. É interessante notar, no recitativo do Evangelista, após o cantar do galo (que pode ser ouvido!), a dramaticidade com que é narrado que Pedro chorou amargamente. Vale observar que no Evangelho de João só é dito que o galo cantou.
Na ária de Pedro -- dramática, agitada, com os violinos tocando freneticamente -- volta a culpa, mas bem diferente da que apareceu no início da peça. Aqui ela tem sabor de arrependimento, algo bem humano de alguém que ama, erra, se arrepende e chora. O doce coral que segue a ária (e faz contraste a ela) explica que Pedro agiu sem pensar e que soube se arrepender de ser erro. Por isso, é um exemplo para nós.


16. Rezitativ

EVANGELIST
Und Hannas sandte ihn gebunden zu dem
Hohenpriester Kaiphas. Simon Petrus stund
und wärmete sich; da sprachen sie zu ihm:

17. CHOR
Bist du nicht seiner Jünger einer?

18. Rezitativ

EVANGELIST
Er leugnete aber und sprach:

PETRUS
Ich bin's nicht!

EVANGELIST
Spricht des Hohenpriesters Knecht' einer, ein
Gefreundter des, dem Petrus das Ohr abgehauen hatte:

SERVUS (Diener)
Sahe ich dich nicht im Garten bei ihm?

EVANGELIST
Da verleugnete Petrus abermal,
und alsobald krähete der Hahn.
Da gedachte Petrus an die Worte Jesu
und ging hinaus und weinete bitterlich.


19. Arie (tenor)

Ach, mein Sinn,
Wo willt du endlich hin,
Wo soll ich mich erquicken?
Bleib ich hier,
Oder wünsch ich mir
Berg und Hügel auf den Rücken?
Bei der Welt ist gar kein Rat,
Und im Herzen
Stehn die Schmerzen Meiner Missetat,
Weil der Knecht den Herrn verleugnet hat.

20. CHORAL
Petrus, der nicht denkt zurück,
Seinen Gott verneinet,
Der doch auf ein' ernsten Blick
Bitterlichen weinet.
Jesu, blicke mich auch an,
Wenn ich nicht will büßen;
Wenn ich Böses hab getan,
Rühre mein Gewissen!

16. Recitativo

EVANGELISTA
Anás, então, mandou-o, amarrado, a Caifás.
Simão Pedro continuava lá, aquecendo-se. Disseram-lhe:

17. CORO
Não és tu, também, um dos discípulos dele?

18. Recitativo


EVANGELISTA
Pedro negou:


PEDRO
Não.

EVANGELISTA
Então um dos servos do sumo sacerdote, parente daquele a quem Pedro tinha cortado a orelha, disse:

SERVO
Será que não te vi no jardim com ele?

EVANGELISTA
Pedro negou de novo, e na mesma hora o galo cantou.
Pedro se lembrou das palavras de Jesus, foi para fora e chorou amargamente.

19. Ária (tenor)

Ó, alma  minha,
Para onde irás,
Onde acharás refúgio?
Ficar aqui,
Ou esconder-me atrás dos montes e colinas?
No mundo não há consolo,
E a dor invade meu peito,
Por causa de meu pecado:
o servo renegou seu Senhor.

20. Coral
Pedro, sem pensar, negou seu Deus,
mas sob o peso de um olhar de reprovação chora amargamente.
Olha-me, Jesus, quando eu não quiser me arrepender; e quando houver pecado, comova minha consciência!