quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Handel: Messias - Parte I, 10-12


O recitativo arioso For, behold, darkness shall cover the earth, para baixo, começa escuro, falando das trevas, da escuridão, mas aí o Senhor traz a luz e termina com o brilho do alvorecer e a música sugerindo a claridade. Essa evolução de sombras para luz nos lembra a festa de Natal, cujo dia é o do solstício de inverno, no hemisfério norte, e que substituiu a festa pagã do Sol Invicto. Na noite do dia 24 de dezembro – o mais curto do ano naquele hemisfério -- para o dia 25, os pagãos celebravam a vitória do sol, uma vez que os dias passavam a ser, gradativamente, mais longos. Para nós, cristãos, a luz passou a ser Cristo e a analogia, bastante oportuna. 
O texto, mais uma vez, é tirado do Profeta Isaías:
Sim, a escuridão cobre a terra, 
as trevas cobrem os povos 
mas o Senhor se levantará sobre ti 
e sua glória aparecerá sobre ti. 
E os gentios caminharão à tua luz, 
os reis, ao brilho do teu alvorecer.
(Isaías 60,2-3)
Quando o marcador de tempo indica 1:50 tem início a ária de baixo The people that walked in darkness have seen a great light:
O povo que andava na escuridão viu uma grande luz,
para os que habitavam as sombras da morte 
uma luz resplandeceu. 
(Isaías 9,1)

Fica evidente a forma como são cantadas as palavras darkness e light: enquanto a primeira é a mais grave, mais escura do ponto de vista vocal, a outra é mais alta e mais intensa.

Aos 5 minutos e 34 segundos da gravação é celebrado o nascimento do Messias com o jubiloso coral For unto us a child is born:
Pois para nós uma criança nasceu, 
um filho nos foi dado; 
a soberania repousa sobre seus ombros, 
e ele se chama: Maravilhoso, Conselheiro, 
Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz. 
(Isaías 9,5)
Segue a gravação, continuação do post anterior, tendo como regente Chirtopher Hogwood e, solista, o baixo David Thomas.



Abaixo está um vídeo desse sedutor coral -- agora sob a regência de Sir Colin Davis --, repleto do espírito cristão que deveria dar o tom de uma autêntica celebração de Natal e das esperanças no Ano Novo.



Com esse vídeo e ao som do Messias desejamos um Feliz 2011.

Handel: Messias - Parte I, 7-9 (And He Shall Purify, Behold, a virgin shall conceive,O thou that tellest good tidings to Zion)

Retomemos o coro And He Shall Purify. Esse coro, conforme já observamos, com texto de Malquias 3,3, conclui o texto da ária de soprano. Na versão de Hogwood -- e, portanto, a de 1754 do Messias --, o coro, em fuga, é introduzido por um coral infantil.
E ele purificará os filhos de Levi
Para que eles possam oferecer ao Senhor
uma oferta de justiça.

(Malaquias 3,3)
Quando o cronômetro marca 2:50, tem início o recitativo de contralto. O texto, que é retomado em Mateus 1,23, é tirado do Profeta Isaías:


Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe porá o nome de Emanuel,
Deus conosco.

(Isaías 7,14)
Aos 3 minutos e 16 segundos tem início a ária de contralto O thou that tellest good tidings to Zion. O texto é tirado de Isaías:
Ó tu que dizes boas novas a Sião,
Sobe a uma alta montanha, 
Ó tu que dizes boas novas a Jerusalém,
levanta tua voz com força,  
Grita, não tenhas medo! 
Diz às cidades de Judá: 
“Eis o vosso Deus!” 
(Isaías 40,9)
De pé! Deixa-te iluminar! 
Chegou a tua luz! 
A glória do SENHOR está surgindo sobre ti.
(Isaísa 60,1)
Observemos que, logo na introdução, os violinos já brilham e escalam as altas montanhas. Além disso, quando a contralto (na gravação, Carolyn Watkinson) canta mountain, faz melismas que nos dão, de fato, a sensação de que ela está escalando.
Essa bela ária é arrematada pelo coro, que retoma o primeiro e os três últimos versos, embora não de forma linear.


Segue a gravação, ainda sob a direção de Chrispher Hogwood, com a contralto Carolyn Watkinson, The Choir Of Westminster Abbey e The Academy of Ancient Music.





O link abaixo leva ao vídeo sob a regência de Sir Colin Davis, com a London Symphony Orchestra e a contralto Sara Mingardo. Aqui o coro infantil não é utilizado.

http://www.youtube.com/watch?v=pb9aVihGEyE

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Handel: Messias - Parte I, 4-6 (And the Glory, Thus saith the Lord of hosts, But who may abide)

Continuemos com a primeira parte do Messias.


Abordaremos, aqui, um coro (And the Glory of the Lord), um recitativo e uma ária (But who may abide), todas baseadas em textos do Antigo Testamento. As cenas de 1 a 3, abordadas anteriormente, eram todas tiradas do profeta Isaías. Aqui apenas o coro é uma continuação dos textos de Isaías utilizados nessas cenas -- razão pela qual já o havíamos incluído no 'post' anterior. As outras duas, recitativo e ária, foram compostas a partir de textos de Malaquias e Ageu.


Retomemos o belo coro And The Glory of the Lord, já colocado no posto anterior. Como a letra original, em inglês, está no vídeo abaixo, colocaremos aqui apenas a tradução:


E a glória do Senhor será revelada
e toda carne, juntamente, o verá
pois a boca do Senhor o disse!

(Isaías 40,5)
Trata-se de um coro de grande júbilo, que celebra a glória do Senhor. É um clima de grande alegria e esperança.


Em seguida, após 2 minutos e 50 segundos de áudio, vem o recitativo para baixo:
Assim diz o Senhor dos exércitos:
Ainda um pouco mais e Eu abalarei os céus e a terra,
o mar e a terra seca, e Eu abalarei todas as nações,
e o Desejado de todas as nações virá.

(Ageu 2,6-7)
O Senhor a quem vós buscais de repente virá ao Seu templo
o próprio mensageiro da aliença, em quem vos deleitais;
eis, Ele virá, diz o Senhor dos exércitos.

(Malaquias 3,1)
Quando o cronômetro marca 4:07 tem início a belíssima ária But who may abide, baseada em texto de Malaquias:
Quem poderá agüentar o dia de sua chegada?
E quem ficará de pé quando ele aparecer?
Pois ele é igual ao fogo de uma fundição.

(Malaquias 3,2)
A ária começa doce, meditativa, e se incendeia quando a última frase é cantada: sente-se, nitidamente, o fogo chegando!
A versão de Hogwood do Messias é a apresentada por Händel em 1754 e, por isso, a ária é cantada por uma soprano -- Emma Kirkby, que o faz com bastante intensidade!


Ouçamos essas três partes com The Choir Of Westminster Abbey e The Academy of Ancient Music (que utiliza instrumentos de época) sob a regência de Cristopher Hogwood.





Vale a pena nos determos um pouco mais na ária, que nessa gravação da versão de 1754, conforme já observamos, é cantada por soprano e foi escrita, originalmente, para baixo -- razão pela qual vem em seguida do recitativo de baixo. Há, no youtube, dois vídeos interessantes do aspecto histórico, uma vez que ilustram a evolução dessa ária. Infelizmente, são vídeos caseiros, com acompanhamento de midi, só mesmo para conhecermos as versões compostas por Händel anteriormente a essa que conhecemos hoje, composta em 1750.
O vídeo abaixo traz aquela que acredita-se ter sido a executada na estréia da obra, em 1742, bastante curta e só com os dois primeiros versos da letra que hoje em dia é cantada:





No ano seguinte, após uma revisão, a ária ganhou a letra inteira exposta acima e ficou consideravelmente mais longa e elaborada:





Após tantas versões, pode surgir a pergunta: qual é a definitiva, para Händel? De fato, no barroco, não havia esse conceito de uma versão definitiva da obra. Ao contrário, ela era normalmente adaptada ao ambiente e aos intérpretes.

Para encerrar, o link abaixo lava a um vídeo em que The Choir of King's college de Cambridge e The Brandenburg consort, sob a regência de Stephen Cleobury, executam o recitativo para baixo (Alastar Miles), a ária cantada pela contralto Hillary Sumers e o coro que conclui a ária:
E ele purificará os filhos de Levi
Para que eles possam oferecer ao Senhor
uma oferta de justiça.

(Malaquias 3,3)
http://www.youtube.com/watch?v=OJsAgMhucY8



quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Händel: Messias - Parte I, 1-3: Abertura, Confort ye, Every Valley.

O Messias de Händel é, sem dúvida, um dos oratórios mais conhecidos -- se não o mais conhecido -- da nossa música ocidental. Mesmo aqueles que não têm muito contato com a nossa música clássica já ouviram o "Aleluia" de Händel.

Mercier: Retrato de Händel.

Georg Friedrich Händel, um dos mais importantes compositores do barroco, nasceu na Alemanha em 1685 -- mesmo ano em que Bach -- e aos 20 anos foi para a Itália: por três anos aprendeu e assimilou o estilo da ópera italiana. Em 1710 mudou-se para a Inglaterra, onde produziu a parte mais significativa de sua obra -- inclusive O Messias -- e virou George Frideric Handel. Lá permaneceu até sua morte em abril de 1759.

Com música de Händel e libreto de Charles Jennens, o Messias (Messiah, HWV56) foi composto no verão de 1741 e estreou no ano seguinte, em um concerto beneficente em Dublin, obtendo grande sucesso.Trata-se de um extenso oratório em três atos, que abrange toda a trajetória de Cristo. Segundo relatos, Händel teria levado apenas 24 dias para compor a peça.
As três partes (ou atos) do Messias são:
Parte I: A Anunciação
1: A profecia da Salvação
2: A profecia da vinda do Messias
3: Presságios para o mundo em geral
4: Profecia do concepção da Virgem
5: A aparição do Anjo aos Pastores
6: Milagres de Cristo
Parte II: A Paixão
1: O sacrifício, a flagelação e a agonia na cruz
2: Sua morte, Sua passagem pelos infernos, e sua ressurreição
3: Sua Ascensão
4: Deus revela a sua identidade no Céu
5: O início da evangelização
6: O mundo e seus governantes rejeitam o Evangelho
7: O triunfo de Deus
Parte III: O resultado
1: A promessa de redenção da queda de Adão
2: Dia do Julgamento
3: A vitória sobre a morte e o pecado
4: A glorificação de Cristo.

A gravação abaixo -- com o excelente tenor Paul Elliott e a Academy of Ancient Music sob a direção de Christopher Hogwood -- começa com a Sinfonia de abertura, da qual destacamos a fuga tipicamente barroca que pode ser ouvida após uma curta introdução. Aos 2 minutos e 50 segundos de gravação tem início o arioso -- algo entre recitativo e ária -- para tenor "Confort ye": um trecho do Profeta Isaías que diz
“Consolai, consolai o meu povo!”, diz o vosso Deus.
Falai ao coração de Jerusalém, anunciai-lhe: seu cativeiro terminou, sua culpa está paga, da mão do SENHOR já recebeu por suas faltas o castigo dobrado.
Grita uma voz: “No deserto abri caminho para o SENHOR! No ermo rasgai estrada para o nosso Deus!" (Is 40, 1-3)
Chama-nos a atenção, nesse clima quase solene de proclamação, a primeira frase a ser cantada, "confort ye", a forma como ela é reforçada, conforme será observado em outro vídeo adiante.
Aos 5 minutos e 45 segundos do áudio tem início a ária "Every valley shall be exalted", ainda para tenor. É a continuação do trecho de Isaías:
Todo vale seja aterrado, toda montanha, rebaixada, para ficar plano o caminho acidentado e reto, o tortuoso.(Is 40,4)
Aqui estão presentes os contrastes forte-piano típicos do barroco e os melismas, além das notas ascendentes e descendentes, que nos ajudam a visualizar os vales e montanhas do caminho que será aplainado. Quando o texto fala dos vales que serão elevados, primeiro as notas descem aos vales, depois sobem, o elevando. Já as montanhas são primeiro escaladas, depois rebaixadas. Também o acidentado e o tortuoso apresentam movimentos verticais das notas, enquanto que no plano há um longo melisma que muda de nota suavemente e com intervalos muito pequenos. Trata-se de um exemplo da aplicação da Teoria dos Afetos, bastante popular no Barroco. Os trechos da parte da voz, abaixo, ilustram de forma gráfica esses movimentos ascendentes e descendentes.  



 Vamos, agora à música!



Sobre o "Confort ye" que comentamos acima, segue o vídeo com comentário do maestro Trevos Pinnock. Um tanto lenta e quase romântica, com um tenor que está confundindo Händel com Wagner, não é, musicalmente, a nossa concepção preferida, mas vale a pena ouvir o que ele fala desse "confort ye", consolai, tão simples, três notas, e que tanto nos envolve.


No capítulo 3 do Evangelho de S. Mateus é anunciado que se cumpriu a profecia de Isaías:
"Apareceu João, o Baptista, a pregar no deserto da Judeia. Dizia: «Convertei-vos, porque está próximo o Reino do Céu.» Foi deste que falou o profeta Isaías, quando disse: Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas."
O trecho de Orígenos, abaixo, nos lembra que a reflexão cristã na preparação do Natal não se deve resumir a rememorar um fato histórico ocorrido há mais de 2 milênios, mas, principalmente, a acolher a vinda de Cristo a cada dia em nossa vida:
"João batista dizia: «Toda a ravina será preenchida» (Lc 3,5), mas não foi ele quem preencheu todos os vales, foi o Senhor, nosso Salvador. [...] «E os caminhos tortuosos ficarão direitos». Cada um de nós era tortuoso [...] e foi a vinda de Cristo, realizada na nossa alma, que endireitou tudo o que o era."
Orígenes (c. 185-253), presbítero e teólogo


Após essas considerações, voltemos à música, agora com a versão em vídeo do áudio postado acima, porém sem a Abertura. Não escolhemos o vídeo de outra versão qualquer para postar aqui porque quanto mais ouvimos diferentes gravações do Messias mais nos convencemos da excepcional qualidade da de Hogwood.


Händel e o Profeta Isaías continuam:
A glória do SENHOR vai, então, aparecer e todos verão que foi o SENHOR quem falou!
(Isaías 40,5)


Voltaremos a esse belíssimo coral no próximo 'post', com a excelente versão de Hogwood.